Entre fomes, sonos, corpos despidos e menes

Crônicas - Por Vai Ali

14/09/2017

É oficial: não há mais tema que perpetue as redes sociais que dizer sobre fome, sono, corpos despidos e movimentos políticos extremos. Todos, claro, dizimados por memes. Aliás, menes, a forma mais memística e brazuka de se dizer memes – como se precisasse dar gíria a uma gíria. Ah, o brazuka…

A moda do momento é reclamar de fome e sono. A cada dia, pipocam nos perfis memes de “não me chame pra sair, me chame pra comer” ou “meu nome do meio é sono”. Na era da glamourização das chagas, do narcisismo de merdas, é cool dizer que já não dorme há X dias ou que aguentaria comer dois duplos X-burgers no podrão às 2 da manhã.

O estudante de faculdade reclama da falta de tempo pra dormir. Reclama dos encargos da faculdade. Reclama dos trabalhos que deixou pra fazer de última hora. Reclama da falta de dinheiro. Reclama da direita. Reclama do busão. Reclama, reclama, reclama. Eu já fui estudante de faculdade, sei bem do que estou falando. Mas deixa eu te contar uma coisa? Vai piorar… vivo dizendo isso: se você acha que tá ruim agora, depois vai piorar. Se acha que tá de boa, fica sussa que tudo se encaixa. Sem maktubs; mas quando mais você pun…. se masturbar para a sua própria melancolia, mais melancólico ficará.

Diga-me do que reclamas que eu te direi quem és”.

O estudante reclama disso tudo, mas está de terça a domingo no boteco até as 3 da manhã. Não se priva de sua felicidade – e não deveria! Mas há uma contradição apontando para essa banalização do mimimi. Saia mais cedo, durma mais cedo; faça o trabalho da faculdade no dia que foi passado; gaste menos em cerveja e cigarro. Assim sobrará tempo pra dormir e dinheiro pra gastar com mais comidinhas. Daí ninguém vai precisar ficar reclamando.

Mas são apenas os estudantes que reclamam?

Não, claro que não. O sono e a fome não conhecem limitações demográficas! São totalmente democráticos. Mas eu não vejo ninguém que passou dos 40 reclamar disso. Parece ser um mal das gerações mais jovens, com suas síndromes de Bela Adormecida e Peter Pan, aceitando qualquer maçãzinha envenenada pra fugir da torre após o carro ter virado abóbora (dá-lhe Disney!). O problema é que as gerações mais novas já nasceram na Era Mimimista, entoando “Como nossos pais” nas festas alternativas aos berros e lágrimas sem terem tido a menor ideia do que, de fato, tenha sido viver como nossos pais.

Ou mesmo quem era Belchior, antes de sua glamourização.

(Ou mesmo que essa música é do Belchior).

Assim como também reclamam esquerdopáticos-direitófobos e Direitênicos-Esquerdóticos. Em meio a tantas mazelas, me assustam os
“inteligentíssimos leitores sociais contemporâneos” de meia tijela ficarem 1) embasbacadas com arte nua e crua e 2), ficarem espantados com as pessoas que ficam espantadas com a arte nua e crua. Os sinais deste apocalipse cultural já permeiam nossa vida cotidiana por uns dez anos. Só não viu quem não queria.

E, posso ser sincero: vai piorar! Vai piorar porque o que vocês sabem fazer é só reclamar. Só sabem reclamar do MBL, do Pondé, do Gregório, do Porta dos Fundos, do Temer, da Lei, da Polícia, do Aécio, da Dilma, do Lula, da Veja, da Globo, da Carta Capital, dos destros, dos canhotos, dos fãs de Dragonball, dos fãs de Hitchcock, da cor da camisa do primo na festa de final de ano da família ou do salgadinho encomendado pelo departamento no aniversário da secretária na firma. Mas na hora de botar a mão na massa, mãos às armas, escolhem as arminhas do Warcraft ao invés das sociais pra meter o pé na lama. Acham que o culpado é o Coronel Mostarda e que é fácil matar os paradigmas podres vigentes desse país com um candelabro na sala de jantar.

Até porque as pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer.

E se ressuscitar via corpos sarados e carboidraticamente proteicos. Quero dizer, perfeitos. A dieta alimentar está sendo metamorfoseada em dieta cultural, em dieta intelectual, em livros de auto-ajudas de blogueiras de 18 anos, em frases feitas de músicos dos anos 70, em poesias de Instagram, em vedetes de testosterona e líderes hipócritas de opiniões, em digital influencers e compassos vazios das batidas contemporâneas.

É essa bola de neve de reclamações e pouquicíssimas atitudes que levam os MBLs da vida a serem aceitos cada vez mais. E digo mais: Bolsonaro vai sim ser presidente pois, enquanto vocês reclamam e criam eventos de “Tchau Bolsonaro”, assim como o David da exposição, as artes e a contracultura de verdade estão sendo dizimadas pelos bolsomínions e demônios da ultra-conservadoria. Seja a conservadoria de direita ou de esquerda pois, na boa, se você acha que há paradoxo ao dizer que há uma esquerda conservacionista, também falta ler os sinais das demandas atuais.

Mas eu não estou aqui pra falar de política, até porque não sei nada de política, não tenho partido e quero mais é que coxinhas e petralhas se explodam em fogos de artifícios em cores de arco-íris e purpurina.

Estou aqui pra falar de fome, sono e memes.

Pois é melhor mesmo reclamar de barriga cheia.

Quer dizer, dormir de barriga cheia.

E haja Dormonid e iFood pra essa galera.

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