Rodrigohilbertfobia: uma nova síndrome contemporânea

Crônicas - Por Vai Ali

30/03/2017

Cada época tem os seus símbolos e ideais. E Rodrigo Hilbert mostra que está (muito) adiantado ou ultrapassado, o que gera temor e estranheza para alguns homens. 

“A man’s gotta do what a man’s gotta do”. Eu gosto tanto desta frase que a tatuei no braço. Ela não é machista e tampouco enquadra na polarização atual de masculino/feminino (aliás, na polarização cultural de TODOS os aspectos sócio-político-econômico-ludopédico–tabuleirico-carteado-alcoólico-gastronômico-religioso-cultural-infinítico). Essa frase me sugere a essência de ser Homem: arque com as consequências do que você faz e seja fiel aos teus princípios. Faça o que você deve. Em tempos de discussão sobre o lugar que cada sexo/gênero ocupa, que eu acho uma discussão tão ultrapassada quando o livro “Homens são de marte, mulheres são Vênus” (ou vice-versa, não lembro), parece que nós, homens, não deveríamos rever a nossa posição também. O esteriótipo do baladeiro-neandertal “mulher se pega pelo braço” em momento algum deveria refletir o que é a masculinidade de fato. Tampouco o “dou um boi pra não entrar numa luta mas uma boiada pra não sair”.

Acho que muitos homens não querem discutir o que é ser homem de verdade com medo do que podem encontrar dentro de si. E isso não tem nada a ver com opção sexual ou identidade de gênero: você pode ser homem sendo hetero, homo, bi, tri, pan, omni, a, para, compul, auto, altro, bio, herbi, e todos outros prefixos de línguas antigas que possa existir. O que você não pode ser é homem com medo de ser o que você simplesmente é: você, independente do que seja.

Por isso tenho notado uma síndrome: o medo do Rodrigo Hilbert. Tudo que causa fascínio, ao mesmo tempo, acaba gerando certa estranheza. E, com a estranheza, angústia.

Vamos aos fatos:

  • Rodrigo Hilbert é um cara bonitasso. 11 em cada 10 homens sabem disso e só admitem no seu íntimo, mesmo que não deixem transparecer e precisam projetar no cara da balada essa ideia. E ainda precisam partir pra briga mal sabendo o que a psicanálise pensaria sobre isso – pois, se soubessem, iam vir querer rolar na mão com todos os psicanalistas também.
  • O cara cozinha mais que qualquer jurado de Masterchef e faz isso de um jeito que dá vontade de guardá-lo num potinho – junto com um tempero de carne feito em casa com ingredientes plantados em sua horta e colhidos com o carinho que o cara demonstra com a natureza.
  • É casado com a Fernanda Lima. Ponto.  
  • Tem filhos que vão virar os caras mais bacanas do mundo no futuro.
  • O cara é tão roots que dá abraço em pescador às 5 da manhã pra pescar na chuva.
  • Ele constrói sua própria churrasqueira. De bambu. De ferro. Acho que Rodrigo Hilbert conseguiria construir uma churrasqueira de carisma e fazer uma costela ao bafo inesquecível.
  • Acabei de descobrir que ele também faz crochê.

Essa coluna está sendo escrita após ter lido um post desses de “Rodrigo Hilbert devia parar um pouco pois ele está humilhando os homens ao mostrar todo esse talento, simpatia, humildade, prendas”. E minha reação é simples: concordo que o cara é foda, mas qual o medo de não ser Rodrigo Hilbert? Pior: por que o Rodrigo Hilbert ameaça tanto a masculinidade alheia? Não ser Rorigo Hilbert é ser menos homem? Pior, os m-Achões diriam: “Não ser Rodrigo hilbert é ser mais homem de verdade”.

Rodrigo Hilbert ameaça a masculinidade através de um fascínio invejoso porque o cara não tem medo de ser ele mesmo. Bonito ou não, ele não tem medo de fazer crochê, de levar os filhos na escola, de virar amigo do entregador de pão. Ele não fica pensando o que as mulheres vão achar se ele chorar assistindo “A Bela e a Fera”. Ele não fica com medinho dos amigos o sacanearem por ele cuidar bem da horta de casa – não apenas dos temperos e legumes, mas também de flores e plantas.

(Tive um amigo assim no colégio, exímio jogador de handball, foi capa da capricho, clipe de Claudinho e Buchecha. O cara colocava o Rodrigo Hilbert no chão pela beleza. E levava os irmãozinhos na aula e buscava. Hoje é doutor em anfíbio e está lá no interior do Texas domando jacaré).

E isso ameaça o homem contemporâneo pois ele desaprendeu a ser gentil.

Ele acha que saber costurar é coisa de boiola; ele acha que comprar na Zara é ser hipster; ele acha que não “pegar mulher na balada” é fraqueza; ele acha que o discurso do “dei 4 sem sair de cima” é troféu; ele “não leva desaforo para casa”. Eu não imagino o Rodrigo falando com os amigos “putz, peguei uma novinha espetacular ontem enquanto a Fernanda tava na aula de ioga”. Ele deve ter ficado com a Fernanda uns 5 meses antes de qualquer amigo dele ficar sabendo do caso.

Por isso que ele ameça. Ele está há anos luz do que a macharia acha o que significa ser homem, pois ainda acreditam que ser homem é dar um soco sem pestanejar na boca do cara que olhou, sem querer por meio segundo, pra mulher dele na balada por ser estrábico. Ninguém precisa ser Rodrigo Hilbert pra ser seguro, e é isso que incomoda pois a galera tá meio insegura do que é ser homem.

Aliás, a galera está meio insegura do que é ser, independente de sexo/gênero/preferência sexual.

Até mesmo por que machismo, é um achismo mal soletrado, mal feito, daí M-Achismo; e o cara que é um Machão, apenas se acha, é um achão; nunca se soube.

O cara não tem medo de mostrar que é um homem fora de seu tempo. Ele parece ser saído do final do século passado em sua atitude com um pensamento que, espero, alcançemos num futuro. Pelo visto, daqui uns 2 séculos, mais ou menos: o da liberdade de expressão/escolha.

Ser “maricas” é indiferente de ter a opção por homens ou mulheres. Ser “maricas” é ser medroso, covarde e indiscreto, é achar que tudo se conquista no muque, é achar que ferro em academia é construção de caráter. É xingar a mulher que te recusa na balada.

(Vergonhosamente, já vi isso acontecendo, mas, de certa forma, sou grato a isso. Eu tinha uns 13 anos, era carnaval, eu não conseguia dar um “oi” pra qualquer garota por timidez e insegurança e vi um cara mandar uma garota, de forma bastante agressiva tipo “jogador-do-Vasco-xingando-camisa-10-do-Flamengo” agressiva, tomar alguma coisa em seus locais particulares. Isso pegando pelo braço e empurrando com outras ofensas. Obrigado, meu caro estranho, você me deu uma bela aula aquele dia!)

“Crochê é coisa de mulherzinha”. Não, amigo. Crochê é coisa de mulherão e quem dera eu conseguisse ser um mulherão, ter os pensamentos de um mulherão, a convicção de um mulherão, as dores e as delícias de ser um mulherão. Meu sonho é ser um mulherão sendo um cara na minha. “Nossa, viadinho!”. Que chamem… meu cabelo é grande e minhas calças de couro são apertadas há tanto tempo que já não faz diferença o que você acha que eu sou, parceiro. Queria ser um mulherão sim. E, se eu fosse do sexo feminino, não obrigatoriamente seria lésbica (sei lá, talvez seria, mas não por discurso machista) e meu lado feminino até hoje, definitivamente, não virou sapatão. Tá aqui, torcendo pro Flamengo e assistindo Comer, Rezar e Amar, variando entre um Blue Label com Cindy Lauper e um Cleriquot com Frank Sinatra, entre Van Damme e Bridget Jones – passando por George Michael, Ellen deGeneres, Boy George, Brandy Carlile (“I’m a bitch, I’m a lover, I’m a child, I’m a mother, I’m a sinner and a saint and I do not feel ashamed. I’m nothing in between”) ou Paul Anka (“For what is man? What has he got? If not himself, than he has naught”), Ney Matogrosso, Ana Carolina e Liniker – embora, particularmente, a música dele não me apeteça tanto quanto a sua liberdade de ser quem quiser. Liniker está mais próximo do Rodrigo Hilbert que do “modelete-tanquinho-preciso-de-filtro-solar-e-viagra-pra-pegar-essa-potranca”. Ser gentil é coisa de ser-humanão. Admitir que chora com filme de criança (sem ser Toy Story 3) é admitir existência. Fingir chorar ouvindo “Total Eclipse of the Heart” virou moda, quero ver é ir à delegacia da mulher denunciar o melhor amigo.

E eu admiro demais o Rodrigo Hilbert, mas, na boa? Tô felizão por não ser ele. E tô felizão por ele ser ele. Porque ele não me ameaça tampouco me inspira a querer ser foda na cozinha e etc e etc. Eu não quero aprender a fazer crochê. Mas quero aprender a fazer macramê, acho mais interessante pra minha pegada de vida. Isso eu queria aprender sim. Crochê me pinica. Ou um bordado, ia combinar bem com a minha camisa rosa do Cartola. Seria interessante.

Rodrigo Hilbert não deveria ameaçar a masculinidade. Ele só lembra o que significa ser homem.

Que não significa porra nenhuma na verdade.

Basta ser sincero e humano.

Seja você pertencente ao gênero que melhor lhe convier.

A man’s gotta do what a man’s gotta do.

Não lembro de ter lido “pênis” ou “ficar de p** duro por 3 horas seguidas” nesta frase.

Afinal de contas, o que querem os Homens?

Foto: GNT

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