San Junipero

Crônicas - Por Vai Ali

02/03/2017

San Junipero é o 4º episódio da 3ª temporada da aclamada série Black Mirror. A nova Lost dos geeks tem vários episódios bacanas com temas que se tornam verdadeiras faixas de Moebius entre um futuro iminente e uma realidade invisível. Em um deles, temos o agridoce sabor de acharmos que somos diferentes de um rapaz que passa os dias pedalando por dinheiro simbólico (como se algum dinheiro fosse Real, com o perdão da lacanagem); em outro, o culto aos likes como medida social (novamente, que nos ilude por fingir ser ficção); em outro, uma realidade alternativa nos anos 80 onde todos os dias eram baladas épicas e diversão garantida.

E esta é San Junipero: uma cidade virtual criada para amenizar a vida de pessoas no leito de morte. A consciência da pessoa é “transportada” para esta cidade, podendo ser até mesmo eternizada lá, mesmo a pessoa morrendo. Mas não é a tecnologia que Black Mirror cria que nos fascina, e sim como as pessoas que interagem com elas refletem perfeitamente as minúcias das relações contemporâneas.

Pois parece que San Junipero anda sendo um pouco da ideologia de cada um, diariamente imersos em um faz-de-conta onde a consciência da dor cotidiana é aliviada pelo imaginário de suas proezas. Discursos de redes sociais contra ou a favor de alguns pratos de boteco, gostos que são impostos, golpes de vista ou golpes de estado, títulos de times de futebol, Deus-Buddah-Allah-Ateus e toda a discussão da criação do universo… cada um com a sua verdade, iludidamente feliz em num vácuo narcísico.

Chega a ser intrigante a escolha do diretor do episódio de construir San Junipero como uma cidade costeira norte-americana nos anos 80, pois parece que, (in)conscientemente (des)contentes, estamos aos poucos regredindo no tempo como civilização – claro, denegados dia após dia com hashtags de positividade.

Eu entendo que sou pessimista. Mas a cada dia que abro minhas redes sociais e vejo, entre memes e páginas engraçadinhas, um monte de sacadinha de tudo quanto é intelectual – sacada sem rede, pois sabemos que não existem tantos intelectuais assim. Questão da presunção. Confundimos informação com conhecimento, acesso com inteligência, opinião com opressão. Estamos convictos que o único universo possível de existência é o que nós criamos dentro da nossa cabeça e tentamos reproduzir em discursos Código-Morse: picotados e que ninguém entende, mas entra na Wikipedia e acha que consegue decodificar.

San Junipero serve de alerta para um presente que se faz constantemente velado para alguns, a auto-indulgência. O escapismo, hoje, parece não residir mais apenas em gadgets, games, filmes ou consumo de bens materiais, mas também na própria personalidade pública – e, pior, em quando esta personalidade invade também a vida íntima e privada – onde a pessoa busca uma auto-mitificação, se transforma em um produto pra ela própria se consumir, e acabando se reduzindo a um mero auto-falante.

"Você pode até dizer que eu tô por for a ou então que eu tô inventando."

Mas é você que ama o passado, e o resto da letra todo mundo já conhece.

San Junipero é aqui.

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