Enfim, o frio

Dicas do que fazer no dia dos namorados

Crônicas - Por Vai Ali

13/04/2017

Abri a janela e vi o tempo cinza, digno de um poema de Fernando Pessoa. A noite de ontem trouxe uma ventania que fez minhas plantas e arbustos dançarem em êxtase junto com a doce e assombrada sinfonia do vento ao bater na janela, quase como um coral de fantasmas do passado que tentavam entrar na minha casa. Às vezes é bom: deixar um ou outro fantasminha da nostalgia entrar pra te fazer companhia.

No frio, o café de todo dia encontra a sua verdadeira essência. A caneca quente esquenta as mãos que, em oração, agradecem a graça. As pontas dos pés são duas masoquistas entidades: pedem uma meia grossa, mas exigem sofrer um pouquinho antes disso pra que o prazer do calor seja mais completo. E a cama gelada nos primeiros segundos provam que nós gostamos mesmo de um pouquinho de dor antes da paz.

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Enfim, o frio me faz pensar e sentir uma ou outra coisa diferente. Olhando da janela, uns pontinhos de azul no céu são o suficiente pra dar aquele up no nosso espírito e não nos deixar ficar abatidos e encobertos o dia inteiro, sem querer trabalhar nem nada.

Pra mim, essa é a melhor época do ano para se trabalhar. Roupas pesadas, combinações excêntricas de exarpes, toucas e sobretudos. Bem agasalhados, os amigos se reunem na mesa do bar, tremendo as pernas e se aquecendo com uma cerveja gelada. Parece que no frio tudo flui. O papo fica mais gostoso, os rostos mais sinceros, os sorrisos mais amenos. E todos do lado de fora da casa. Vai entender nosso masoquismo outonal.

Janeiro eu considero um mês falso, de superficialidades. Os mais espirituais podem até discordar de mim mas o Sol, o astro rei, é egocêntrico e narcisista; acha que tudo gira em torno de si. Que a rapidez de Mercúrio, a volúpia de Vênus, os seres da Terra, o ardor de Marte, o poderio de Júpiter, os anéis que enfeitam os dedos de Saturno, os céus e o paraíso de Urano e os mares e todos os seus mistérios do reino de Netuno existem pra lhe servir. Com isso, a velocidade do aceite de todos é ativamente cobrado com força, através de alegorias, e a falsa sensação da leveza se perde em um mar de nada. Aí ficamos que nem Plutão, sem saber se é planeta ou apenas mais uma bolinha no infinito. Janeiro deixa todos os sorrisos forçados para os flashes das micro-gazetas. Sem contar os corpos que visam se moldar na academia e as poses forçadas para exibir uns atributos plásticos e esconder os orgânicos nas fotos em frente ao mar.

Mas não o outono. Ah… o outono traz outra coisa. Traz união, traz intimidade. Ninguém quer ficar colado a 38 graus. Mas veja, por exemplo, os grupinhos de amigos nesta época em Ibitipoca: todo mundo juntinho, abraçadinho, coladinho, como quem pede mais que calor; como quem pede a essência do outro, a essência da amizade, a essência da paz, da vida. E, claro, a essência da Chiboquinha, do Vinho e do Quentão. Até mesmo por que, né… queremos o calor e o amor ébrio de todas as paixões dionisíacas.

Eu deveria falar sobre cultura nesta coluna de hoje. Mas quer cultura melhor que o inverno? Os shows que vão acontecer não trazem euforia, mas sim conforto pra alma. Até mesmo o calorzinho melancólico de uma ou duas lágrimas suicidas fazem o dia valer um pouquinho mais a pena.

E se os mais esotéricos dizem que estamos em transição, saindo do governo do Sol exibicionista e individualista e entrando na era acho que de Saturno, parece que isso representa mais união e companheirismo. Mas, se lembrarmos que Saturno é o nome latino para Cronos, aí teremos que interpretar melhor isso. Cronos representa o tempo, que devora seus filhos – na mitologia, devora-os literalmente –, e fora aprisionado por Zeus (Júpiter) no Monte Tártaro. Cronos também deu um jeito de destronar seu pai, Urano – o Céu. Ele é o ceifeiro, o castrador do pai; um titã ditador e cruel esse tal de Tempo…

Mas, como eu não sou esotérico, apenas um pesquisador da mitologia grega, deixo aos astrólogos a interpretação. Mas eu sei que hoje vou fazer uma sopa de tomate à noite. E tomar um chá de frutas silvestres bem quente à tarde. E trabalhar muito. E, quem sabe, encontrar uns amigos de touca em algum bar neste meio tempo, para ver suas bochechas avermelhadas e queimadas de frio.

Podem me chamar do que quiser, mas eu não troco o sorriso de ninguém no outono e no inverno por nenhum corpo exposto na praia de janeiro.

E sobre a cultura? Essa é a época que os artista mais produzem.

E os amores mais se encontram.

E os vinhos mais se encantam.

E a vida mais se vive.

Enfim, o frio.

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