O vazio da conquista

Crônicas - Por Vai Ali

02/02/2017

Esta semana, após um ano e meio envolvido no projeto – mais alguns entre uma composição e outra na geladeira –, finalmente chegou meu novo disco em casa. É o meu terceiro disco, mais intimista, mais pessoal. Já havia gravado outro ainda com o Martiataka. Ou seja: já tenho uma boa discografia pessoal. Juntando isso com meus textos acadêmicos, TCC, dissertação, qualificações e artigos, são obras que criei que demandaram tempo, estudo, disposição e empenho.

Mas eu não estou aqui pra falar do que já fiz, e sim do que senti ao abrir aquela caixa com trocentos discos espalhados: um vazio.

Ao contrário do que se espera, muitos de nós experimentamos isso: a excitação momentânea de tirar aquele peso das costas, de conquistar a parada, de ver pronto o livro ou o disco, de dar à luz ou o quarto pintado. Mas logo depois do “UFA!”, muitas vezes vem um “e agora?”.

Este é quase que o princípio da depressão pós-parto, guardadas suas devidas proporções. Quando entramos em um projeto de longo prazo, como escrever um livro, gravar um disco, fazer doutorado, mestrado ou faculdade, nós geralmente nos doamos dia-a-dia, uns mais, outros menos. Mas aquele objetivo já fica entremeado em nossa psiquê como algo natural. “amanhã preciso fazer isso; semana que vem isso e isso”.

Depois que você termina a sua parte, ainda depende de terceiros. Gráfica, produtora, fábrica de prensagem, e isso também demora. E, mesmo você tendo cumprido a sua parte, ainda existe o “depende disso pra ficar pronto”. Às vezes, ficamos presos neste período, inconscientemente desejando que esta dependência demore, para satisfazer partes de nossa vida psíquica que ainda não sabemos lidar com elas.

O peso da conquista às vezes é mais difícil de carregar que as aprendizagens da derrota.

Até que a obra chega na sua casa. Você se excita, pula, liga pros amigos, chora. E pronto, vem o vazio. Vem o “e agora”. E você começa a notar pequenas falhas na obra. Já ouvi de colegas acadêmicos que eles tem asco – palavra deles – de abrir seus textos depois de produzidos. Há uma certa repulsa naquilo que produzimos, um estranhamento de tirar algo de dentro de nós e ver aquilo pronto como outro, e não mais como interno.

É complicado, é bem psicanalítico, eu sei.

Mas eu queria falar sobre isso essa semana. O disco está pronto, a tese ficou pronta, o filho nasceu. E agora? Agora começa outra jornada, outros aprendizados, outros objetivos e novos costumes. O peso nas costas que carregamos durante a jornada funciona como a primeira marcha de um carro na lama: é preciso pra dar força, torque. Tirando o peso, acionando a 4ª, você não vai sair do lugar. Aí é hora de descer do carro, xingar, se sujar um pouquinho, chorar por estar sozinho na estrada.

Até chegar a próxima jornada, que eu garanto, não vai demorar pois o mundo não para.

O peso nas costas é complicado de carregar.

Mas o vazio da conquista, às vezes, é mais angustiante que enfrentar um dragão por dia.

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