“Quando você menos esperar vai se apaixonar”.

Crônicas - Por Vai Ali

06/07/2017

Parece haver um consenso obrigatório nas rodinhas de conversa: “quando você menos esperar, vai encontrar alguém e se apaixonar”. Tenho 32 anos de (muito) sonho e de (algum) sangue e de América do Sul, e já esperei desde meu primeiro beijo – aos 11, escondido no play do meu prédio – até o dia que aceitei a vida como ela é: algo perto de um diálogo rodriguiano entre Bukowski e Pessoa num buteco da Tijuca, com direito a surtos e heterônimos transitantes, e uns áudios ébrios de Drummond e Freud na balada via whatsapp pros dois que tavam de ressaca e preferiram um barzinho light.

Hoje digo com convicção: não pretendo – e nem quero – me envolver com ninguém. E isso, ao que parece, soa mais ofensivo que dizer que David Gilmour é um guitarrista limitado (não acho o Gilmour ruim não, mas sou #TeamRoger. Deal with it!). Acho que a opção por não se envolver fere a esperança narcísica do ouvinte, que molda toda sua vida a partir do conceito “alguém para me completar”, esperando sempre a intervenção do outro, relegando suas responsabilidades a entidades inexistentes. Eu estou longe de ser completo, mas estou num momento que eu não quero e não vou me apaixonar. Por quê? Ora, porque sim. Isso não precisa de justificativas, Sant’Antuín.

Mas, quem ouve isso, torce o nariz e diz com ironia: “quando você menos esperar, vai se apaixonar. Você vai ver”.

E é batata: toda vez que alguém diz “quando você menos esperar…bla bla bla” um sorrisinho de lado vem acompanhando, como quem diz “eu já passei por isso, sei do que estou falando”.

E sabe?

Fomos criados por uma cultura que parece queimar na Santa Inquisição Casamenteira a pessoa que passa dos 30 solteiro. Se chegar aos 40 então, já era. Morando com os pais? Peter Pan misturado com Édipo inveterado. Ou você tem problemas mentais sérios ou é amaldiçoado. “Nossa, um cara de 40 anos solteiro, bonito e simpático igual ele? Deve ser gay”. Ou “mulher de 40 solteira? Encalhada, deve dar mal…”. É… cada um tatua alguma coisa na testa alheia.

A compulsão a “encontrar alguém” afeta intelectuais e leigos; atletas e eruditos; músicos e médicos; matemáticos e poetas; cristãos e ateus; coxinhas e petralhas; papel-higienistas virados pra cima ou papel-higienistas virados pra baixo. É a pior epidemia já espalhada por esta terra! “Ninguém é feliz sozinho”. Rapaz… eu sou solteiro, mas nunca estou sozinho. Tenho meus amigos – presentes ou via whatsapp em outros estados, geográficos ou mentais –, tenho colegas de trabalho, tenho minhas vozes na cabeça.

Mas sozinho, nunca!

Ou melhor: sempre! Sempre que eu quiser/precisar/merecer/não merecer/não quiser e não precisar que é pra lembrar que nem tudo acontece na hora que a gente quer.

Me parece que o que observo das pessoas pode ser categorizado próximo a isso: uma molecada jovem com 20 e poucos já cética e desiludida sabe-se lá com o quê na vida amorosa – convenhamos, a gente se ferra mesmo na vida sempre é depois da faculdade; uma galera de 30 e poucos vendo o relógio biológico correndo e casando/tendo filho para ver se algo lhes completa; uma galera de 40 se divorciando compulsoriamente; uma galera de 50 finalmente aproveitando a vida – divorciados. E uma galera de 60+ casados felizes, seguindo padrões de relacionamentos que já não condizem com a contemporaneidade.

Os da minha geração – os de 30 e poucos –, desiludidos com a falta de qualidade do “mercado”, vejo se distanciando emocionalmente e se aproximando fisicamente. Se apaixonam imensamente pelas artes, pelo trabalho manual que faz, pelos abraços dos amigos, pela cerveja no fim do dia, pelos despretenciosos beijos em crushs do Tinder. Por uma vida sexualmente ativa e afetivamente desapegada. Contradição? Resignação por não se relacionar romanticamente? Não sei. Sei que os os temidos trinta e poucos, juntamente com os tempos atuais, propiciam essa reflexão. O que não pode é desistir do amor aos 20 e poucos achando que tem experiência suficiente de vida.

E quer saber? Quando menos você esperar, irá se apaixonar perdidamente pela vida, não pelas pessoas que trepam contigo. Você vai se envolver com os amigos ouvindo um som bacana no spotify; vai se amarrar em expor suas pulseiras de conchinhas nos mercados abertos; vai ter orgasmos múltiplos ao comer um puta burger gourmet de blend de fraldinha com contra-filé de 220g; vai poder, finalmente, pagar por uma IPA de 500ml e outra, e outra e outra vez (mas só 3, porque hoje os preços estão desafiadores pro bem-estar do cidadão); vai aprender a diferenciar preparos de café; vai sair uns dias pra balada com a roupa do corpo que passou o dia inteiro sem se importar; e vai pegar alguém lá; e vai pra casa com elx – ou não. E, se for, vai ter uma noite foda. Mas vai passar.

Se isso é triste ou feliz? Não sei. Mas, como dizia Sherlock, “it is what it is”: é o que é.

Mas já é tarde. Parece que fui vacinado contra isso – ou será que se é vacinado para ter essa compulsão à companhia? Sei que estou imune ao discurso. É óbvio que pode aparecer alguém, sim. Não é isto que está em questão. O que está em questão é que, NESTE MOMENTO – e num futuro próximo –, pode me aparecer a Mariana Ximenes colocando Sweet Emotion em vinil pra tocar enquanto me traz a Heelch O’ Hops da Anderson Valley em uma mão e uma fatia de pizza de pepperoni do Ray’s na outra numa quarta à noite de semi-final da Libertadores com o Fla metendo 5 no Estudiantes: não vai rolar! (E, segundo a lógica recente, parece que o Fla na semi-final da libertadores é a parte mais utópica desde pequeno devaneio). Vou me deliciar com tudo, mas não vou me relacionar seriamente no dia seguinte. Não mandarei mensagem bonitinha no dia seguinte e nem irei pedir ninguém em namoro. Leiam “Sobre a transitoriedade” do Tio Sig.

Por quê?

Porque, junto ao discurso do “quando você menos esperar…”, há o discurso da saída do relacionamento “vou dedicar mais tempo a mim”.

E eu tô nesse aí.

Compulsivamente.

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Tiago Sarmento é um ávido apreciador de revestrastróis e flavonóides, lúpulo e fermentados que já atingiram a maioridade. Além disso, é músico e faz uns boho folks aqui e ali autorais com umas releituras que vão desde Almir Sater a Black Sabbath. Quando sobra tempo entre o vinho e a música, dedica-se ao seu doutorado em Teoria Psicanalítica. 

 

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