A cultura africana e sua importância na constituição social – pt. 2

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Cultura Fala, Zé! - Por José Roberto Abramo

20/11/2019

Na Antiguidade Clássica, a imagem da História da África é deturpada. Em parte, por interpretações rasas de cunho religioso. Aos europeus se fixava a ideia que o africano era o “outro”. Um misto de estranhamento, mas também um sentimento de superioridade étnica. Ou seja, uma visão de mundo eurocêntrica.

Os textos antigos só reconheciam a África como três territórios: Lybia, Egito e Aethiopia. A Aethiopia foi conhecida como “A terra de homens escuros”. As interpretações cristãs contribuíram na construção de ideário negativo porque relacionavam o inferno como um local de calor insuportável e habitado por monstros de cor escura.

Existia uma associação entre os africanos e a teoria camita, que condicionava os habitantes daquele local (negros) à condição de escravos. Nesta teoria o filho de Noé, Cam, ao zombar do pai receberia a desdita de que sua descendência receberiam a praga da escravidão. Africanos eram associados a práticas de feitiçaria e até canibalismo.

Estas teorias deturpadas permaneceram durante a época do colonialismo e ainda habitam o imaginário. Esta era uma forma de justificar o poder civilizatório da submissão, alegando uma selvageria inerente aos povos. A escravidão, na Era Moderna, era agora sustentada na pretensa inferioridade do negro.

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Algumas civilizações africanas tinham mais riquezas que o próprio império egípcio.

Escravização

A Península arábica foi um dos primeiros lugares para onde foram levados africanos em massa, principalmente como escravizados. Mas também outros lá chegaram como guerreiros e por lá ficaram. Porém, os árabes não foram exatamente os primeiros a escravizar os negros africanos. O Egito já os trazia do Sul do continente desde a antiguidade. No século VIII os cativos foram fruto do comércio de reinos inimigos.

A Núbia pagava com cativos os impostos ao Egito. Negros e negras ao lado de turcos e eslavos eram comercializados em mercados do já existente mundo islâmico. Juristas islâmicos justificavam a escravidão em casos de nascimento ou captura em guerras. Pessoas endividadas também poderiam se tornar escravos. Na antiguidade romanos e gregos tinham escravos não necessariamente negros, que via de regra eram de captura após serem vencidos nas guerras.

Eles eram propriedade do estado e o sistema de submissão os fazia como escravos domésticos ou atividades como mão de obra que sustentava a economia, cultivando terras ou construindo cidades, ou em grandes obras, templos, diques e canais.

Na idade moderna a crença na inferioridade do negro os colocava em situação de submissão total, comercializados como propriedade privada de comerciantes e senhores de engenho e em minas, como é o caso do Brasil. A teoria da superioridade racial era conveniente para subjugar negros e indígenas.

A expansão marítima comercial europeia promove a conquista de territórios de vastos continentes que viriam a ser então colônias a serem explorados economicamente com o uso de mão de obra escrava. No século XIV continente africano contava com uma população de 10% em cidades bem povoadas, e um vasto contingente de camponeses e na totalidade havia no entorno de 200 milhões de habitantes ali. E neste momento histórico chegaram portugueses, espanhóis e venezianos buscando mão de obra para suas expansões.

Boa parte desta população a partir de 1530 foi transportada para as colônias. No Brasil os escravos representavam a totalidade da mão de obra empregada na indústria açucareira e mais de 60% da população no Século XVIII.
A consequência desta diáspora é que se esvazia o campo na África e muitas populações regrediam ao estado nômade de vida.

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Esse processo foi marcado pelo fluxo de pessoas e culturas através do Oceano Atlântico e pelo encontro e pelas trocas de diversas sociedades e culturas, seja nos navios negreiros ou nos novos contextos que os sujeitos escravizados encontraram fora da África.

O continente africano chega ao século XIX com apenas 100 milhões de habitantes. Datam desta época as campanhas abolicionistas. O regime de escravidão deixa de ser útil para o mercado em expansão de produtos originários na Grã-Bretanha, principal potência da época. A Revolução Industrial na Inglaterra a tornava uma economia industrial de alto poder, suas frotas mercantes espalhavam mercadorias pelo mundo e ansiavam por consumidores.

O Homem Negro e a Sua Cultura pelo Mundo e Brasil

A cultura africana se espalhou pelo mundo com a prática da escravidão e mudou os conceitos e crenças de muitos povos, como ocorreu no Brasil Colonial. Com a escravidão a cultura africana de volta ao mundo. Modificou hábitos, conceitos e crenças de muitos povos, inclusive começando no Brasil Colonial. O velho continente africano é uma mescla de crenças, ritmos, temperos e cores que o fazem peculiar. A rica cultura africana se mesclou, por exemplo, na dança, culinária e religião.

A cultura do povo africano tem componentes históricos vastos e ao mesmo tempo ricos. Portanto, em uma visão de perto admitem-se relevar um modelo próprio ao mesmo tempo plural, diverso e único em relação à outras culturas. Modelo diferente, mas não menos importante e que deixou seus traços identitários em todos os aspectos na vida social das sociedades que os receberam de uma e de outra forma. Significa que se recriaram na diáspora e se perpetuou nos processos migratórios sequentes.

Porque são levados à escravidão, onde foram rebaixados às condições de escala social o mais baixa na sua história, porque foram tratados apenas como mercadoria de trabalho, a África negra e seus modelos de cultura e o potencial de seus povos foram objetos de distorção.

Distorção esta que aos poucos tem sido levantada na atualidade pelas ciências sociais que visam detectar suas singularidades.

Os povos africanos é vasta na América Latina, principalmente Brasil; é visível na Europa, seja pela escravidão, seja pela integração do mundo árabe, como no caso da Espanha, seja pelas recentes migrações. É importante também nos países asiáticos, com respeito à componente histórico da população. Visivelmente isto se dá na Índia e Oriente Médio e chega até a Oceania. E sua presença é perceptível em sua arte e outros aspectos das suas vidas.

Os povos da África foram sim dilacerados e estagnados no seu florescimento na colonização, divididos e colocados em confronto entre si. Mantêm seu histórico continuo, mesmo que ainda hoje não realizem uma organização político-sócio-econômica favorável às suas populações. E o fizeram nas suas campanhas de independência e libertação.

Deixam registrados os traços típicos das suas culturas e a sua capacidade de participação no processo de mundialização, acima da mera sobrevivência, mas nos traços culturais, mas como fator intrínseco na construção das sociedades. Além disto, os africanos levaram consigo uma forte tradição de comunidade.

Os africanos souberam participar e deixar sua marca no mundo visivelmente com os seus ritmos, a dança, o canto, a poesia, as várias formas de pensamento e de linguagem. Isto significa uma melhor superação dos limites e que são senhores do seu próprio espírito. Geraram um inconfundível modelo ao africanizar sua cultura como demonstram os ritmos como o jazz, os espirituais, os ritmos das caraíbas, o tango argentino ou uma boa parte dos ritmos contemporâneos.

No Brasil todos os gêneros e ritmos ramificam da raiz africana quase totalmente, ao menos é o caso do maracatu, no século 17, o baião e o choro século 19 e o samba que se localizou temporalmente entre o final do século 19 e começo do século 20. E ainda nestas tradições, forneceu elementos rítmicos e inspirou o surgimento da bossa nova, da tropicália, do mangue beat, do funk carioca. Os ritmos sofreram variações e regionalizações e aqui no Brasil ainda temos: Axé, Funk Melody, Lambada, Maxixe, entre outros.

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Encontro de Maracatus Foto: Arquimedes Santos

Pesquisando ritmos mundo a fora achamos na própria África: Afrobeat , Tribal House, Kizomba, Kuduro, Música popular da África. Nos EUA: Blues, Rock and roll, Espiritual negro, Disco, Electro, Funk, Jazz, Rap, Rhythm and blues, Soul, Hip Hop. No Caribe: Dancehall, Dub, Ska, Soca, Reggae.

Muitos são na História Mundial os ícones negros, na política, esportes, artes, e em muitos outros segmentos, tais como Pelé, Mandela, Barack Obama, Martin Luther King, Rosa Parks, Machado de Assis, Ray Charles, Michael Jackson, o médico Charles Drew, Nina Simone, Jesse Owens, a ativista e feminista Alice Walker, o ativista Malcom X, o roqueiro Chuck Berry, o boxeador Muhammad Ali, o cantor de reggae Bob Marley, a filósofa e ativista americana Ângela Davis, o geógrafo Milton Campos, e muitos outros. Estes são os mais conhecidos.

Enfim, a importância histórica do negro no mundo não é menor. E poderíamos falar muito mais. Vamos deixar para o próximo artigo.

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