Autoconhecimento, um caminho espiritual

Autoconhecimento

Comportamento - Por Vai Ali

12/12/2019

As pessoas hoje em dia, têm feito de tudo para encontrar o autoconhecimento: Coaches, mestres, filósofos, religiosos, gurus… se você está buscando encontrar o caminho para a felicidade, não faltam especialistas para te orientar. Na era Google, temos acesso a todas as informações que precisamos em apenas um clique.

Mas o que ainda está faltando para sermos felizes de fato?

Embora a evolução tecnológica esteja caminhando cada vez mais rapidamente, enquanto seres humanos, ainda sofremos.

De acordo com algumas pesquisas recentes:

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São muitos os fatores que podem estar contribuindo para o adoecimento da sociedade atual: o ritmo de vida acelerado, o excesso de trabalho, uso excessivo das redes sociais, sedentarismo… E por aí vai.

O consumismo também pode ser uma dessas causas. Trabalhar para ter acesso a um mundo de interesses particulares se transformou em um propósito de vida, no qual ter sucesso é sinônimo de ter riquezas e posses.

Em uma sociedade onde a conexão e comunicação são cada vez mais globalizadas a crescente sensação de solidão social parece uma contradição. As redes sociais vêm substituindo o contato olho no olho e nos sentimos cada vez mais sozinhos.

Para lidar com as angústias e o estresse do dia a dia é só tomar um remedinho que tudo passa bem rapidinho. E nos anestesiamos para seguirmos suportando rotinas que não cabem mais em 24h.

Em meio a tantas distrações estaríamos nos esquecendo daquilo que é realmente fundamental? Será que ainda hoje somos capazes de acreditar em um mundo transcendente?

Mais do que nunca, nossa sociedade carece de ESPIRITUALIDADE. E quando eu falo em espiritualidade, não quero me referir a uma religião, mas sim a busca de um sentido para a existência, algo que transcenda o EU e que traga mais vida interior.

Em meio a uma crise simbólica temos que nos esforçar para gerar pontos de identificação apesar das diferenças. E para que possamos reconhecer aquilo que temos em comum precisamos primeiro nos conhecer, entender quem somos, de onde viemos e para onde estamos indo.

É no que vamos nos aventurar nos próximos parágrafos. De acordo com o ponto de vista de algumas das escolas de sabedoria mais importantes do ocidente e do oriente, iremos entender como, ainda hoje, o “conhece-te a ti mesmo” é uma máxima poderosa na busca por mais equilíbrio, paz interior e felicidade.

 

Autoconhecimento, o caminho para a felicidade

O autoconhecimento é para filósofos como Sócrates, Platão e Shankara, visto como um caminho obrigatório para quem busca se libertar de todas as angústias e sofrimentos.

Platão (426-348 a.C. aproximadamente) foi um filósofo que viveu no período clássico da Grécia Antiga, discípulo de Sócrates, assim como seu mestre, buscou pela verdadeira sabedoria, a essência das coisas, o conhecimento provindo da alma humana.

Sócrates é provavelmente o nome mais famoso entre os filósofos, conhecido como o fundador da filosofia ocidental é até hoje uma figura misteriosa, pois tudo que conhecemos sobre seu pensamento foi registrado por seus discípulos, principalmente, por obras de Platão.

Shankara (788-820 dC.) é um grande mestre indiano, conhecido por sua obra de comentários sobre os textos tradicionais de Vedanta, nome do estudo realizado a partir do final dos Vedas (escrituras sagradas), que deu origem ao conceito popular de autoconhecimento.

Vedanta pode ser traduzido como “aquilo que se encontra no final dos Vedas” ou “o conhecimento final”. De acordo com a visão do Vedanta, você é a solução para o problema que você sofre e por isso o autoconhecimento é tão importante.

Shankara também é conhecido por ser o formulador da filosofia AdvaitaVedanta, Advaita literalmente significa “não dois”, não dual; é um sistema filosófico que acredita que tudo faz parte de uma mesma Consciência Suprema, chamada de Brahman. Não é uma religião, mas fortalece qualquer vínculo religioso que a pessoa já tenha.

A filosofia socrático-platônica, assim como a escola hindu do AdvaitaVedanta,buscou questionar aspectos metafísicos essenciais, que intrigam filósofos em todos os tempos.

Tanto Platão, quanto Shankara se perguntaram: Qual é o princípio de tudo?

O campo filosófico relacionado ao estudo da essência última da natureza do universo é chamado metafísica, sua principal dedicação investigativa está em compreender os aspectos imateriais e/ou abstratos do mundo.

Para a metafísica duas questões são de ordem fundamental: O que existe? E como é que existe? 

Apesar de muito ser falado sobre um Oriente místico e religioso, ainda encontramos poucos estudos que ponham em evidência aspectos filosóficos orientais.

“Muitos eruditos, mesmo nos primeiros anos do nosso século, permaneceram relutantes em conferir o honroso título de “filosofia” ao pensamento hindu. Alegavam que “filosofia” era um termo grego denotando algo único e particularmente nobre que havia nascido entre os gregos e, desde então, desenvolvido apenas pela civilização ocidental.” ZIMMER

A partir de um filósofo grego, Platão e o outro hindu, Sankara, buscaremos um caminho de diálogo entre conhecimentos metafísicos ocidentais e orientais. De forma a demonstrar sua relevância para conflitos e sofrimentos ainda vividos por nós.

Podemos destacar obras de ambas as tradições que servem ao propósito de renovar o espírito crítico e virtuoso da filosofia na humanidade. Chamamos essas obras de veículo transformador, uma vez que possuem eficácia atemporal e por isso são valiosas há todos os tempos.

Mais que uma promessa de salvação depois da morte, de um paraíso eterno, iremos descobrir como ambas as escolas nos dão a esperança de solucionar o sofrimento ainda nessa vida, no aqui e agora e sem se retirar do mundo.

 

A perspectiva comparativa traz à tona a possibilidade de se alcançar objetivos de natureza transracional (que ultrapassam a racionalidade) através de meios intelectuais racionais.Se você acha que isso é Filosofia ou que é Religião, pouco importa, o mais importante são as respostas que essas disciplinas podem trazer para sua vida prática, como elas podem te ajudar a viver melhor.

Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço que foi um grande estudioso da tradição Indiana, dizia:

“Entre todos os meus doentes na segunda metade da vida, isto é, tendo mais de trinta e cinco anos, não houve um só cujo problema mais profundo não fosse constituído pela questão de sua atitude religiosa. Todos, em última instância, estavam doentes por ter perdido aquilo que uma religião viva sempre deu em todos os tempos aos seus adeptos, e nenhum curou-se realmente sem recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria. Isso está claro, não depende absolutamente de adesão a um credo particular ou tornar-se membro de uma igreja.” JUNG

Para que se considere uma mística fundamentada em meios racionais, é necessário mudar o foco das narrativas místicas: ao invés de experiências descritivas, a ênfase deverá ser nas pedagogias dialógicas, ideia que será melhor compreendida ao longo das próximas leituras.

Autoconhecimento

Foto: Brenda Marques

Shankara, assim como Platão, acredita que a linguagem é limitada, uma vez que palavras não são capazes de exprimir o tema principal do pensamento filosófico. As experiências que a mente pode ter da realidade ultrapassam, e muito, a esfera do pensamento lógico.

Para expressar aquilo que transcende o plano gramatical se faz uso de metáforas e alegorias (como no mito da caverna). Ambos os filósofos em questão apresentam diálogos repletos de simbolismos e possuem uma notável capacidade de falar sobre temas sutis, mas extremamente pertinentes.

De acordo com Platão, o conhecimento a que estamos acostumados nada mais é do que o conhecimento de imagens criadas no mundo sensível, representações imperfeitas de algo que está contido no mundo das ideias. Em sua obra o Fédon, o filósofo narra o último dia da vida do mestre Sócratesa partir de um diálogo literário, uma vez que vai além do discurso.

Shankaraacreditava que, embora o universo dos fenômenos seja de fato experimentado, ele não é a verdadeira realidade. Muito desse pensamento se deve ao estudo do BhagavadGita, uma das obras mais conhecidas e importantes da tradição indiana e texto canônico para a escola AdvaitaVedanta.

No próximo texto vamos entender como o Fédon platônico pode nos remeter à obra indiana BhagavadGita, e evidenciar analogias entre atitudes filosóficas da Antiguidade e do Oriente, que não podem ser explicadas por influências históricas, mas que nos permitem esclarecer, assim, umas às outras e encontrar caminhos para nós mesmos.

 

Luiza Goulart 

Filósofa, dançarina, professora e coreógrafa. Membra do conselho internacional de Dança da Unesco, Luiza também gosta de estudar sobre empreendedorismo e habilidades comportamentais que só você tem.

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