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Desencarceramento

Tenho lido nos jornais e visto nas TVs que alguns vociferam contra as equipes de direitos humanos e contra juristas quando se fala que o nível de encarceramento de presos tem de ser diminuído. Afinal, nossas prisões não cabem mais homens e mulheres, chamados delinquentes.  Muitos presos por crimes não violentos que poderiam ser ajuizados com outras penas que não o encarceramento. Além de inchar o sistema prisional tornam estas pessoas piores do que quando entraram. Assim temos uma fábrica de bandidos.

O assunto é delicado. E não são meia dúzia de pessoas, posições, pensamentos e soluções fáceis e “pragmáticas” que iremos resolvê-las. Nem eu aqui tenho a pretensão de fazer uma crítica correta. Apenas urge em mim que nossa sociedade possa encontrar razões para viver e parar de sofrer. Não me faz feliz saber que apartar seres que com nível de oportunidade muito pior do que outros, que venham a cair no crime, sejam vistos apenas como um numerário de problemas sociais, problemas apenas de nós outros.

O fato que me chama a atenção é que a miséria, o abandono, a má distribuição de renda, o desgoverno, as más ações dos fraudadores do dinheiro público, as más gestões públicas, a falta de diligência governamental de governos de vários níveis; as más condições das cidades, a “guetização” das camadas mais pobres, seus isolamentos geográficos; a saúde pública em péssimas condições, a má saúde mental, a falta de assistência social; o mau treinamento das polícias, com os comandos desordenados e preferenciais por parte do estado; as más condições de escolaridade, e a falta de escolas públicas; o pouco nível de oportunidade. Enfim, tudo isto e muito mais. As condições psicológicas de quem se sente apartado, inseguro quanto a sua necessidade no seio de uma sociedade estratificada. Sociedade que valora quem tem, em detrimento de que é. Sociedade que, condicionando a sua oportunidade de realização à boa vontade de uns quinhentos seres que comandam – os privilegiados – é que estariam de fato condenado estas pessoas até mesmo fora dos presídios ou das cadeias comuns.

E fazendo uso da ironia, que nos vemos submetidos, porque vivemos paradoxos, eu penso:

Se a cadeia é um corretivo que libera a sociedade do convívio com os párias, não seria melhor mesmo mantê-los presos? Paradoxo dos paradoxos, não?

Afinal, eles estariam livres de todo um complexo de problemas a que são submetidos em liberdade. Que liberdade? A liberdade de sofrer até a morte inglória?

Então talvez fosse melhor manter esta casta de oprimidos sob custódia do estado e de uns pelos outros, na figura pública de um metro quadrado de sobrevivência imputada.

Pensando bem, para livrar outros segmentos da sociedade de tão vã destinação, a do sofrimento em plena liberdade de ser, seria melhor manter as crianças atrás das grades.  Afinal, não seriam submetidas aos caprichos do sistema. Sem TVs, internet e sem escolas que poderiam ideologiza-las perdidamente, estariam a salvo.

Ou talvez manter as pessoas de “bem’ também atrás das grades, para não estarem sob risco de nossa incúria e injúria, de nossa falta de capacidade de dividir com o próximo. Assim, cada qual tem nada o que dividir e nada a invejar. Seu metro quadrado de vivência e convivência estaria garantido.

Poderíamos também manter as espécies planetárias também atrás das grades. Protegidas de nossa capacidade de poluí-las e de exterminá-las.

Pensando bem, poderiam estar atrás das grandes florestas, matas, córregos, rios e mares, oceanos e também os ares e as geleiras e o Ártico e a Antártida. Já que falamos das espécies, porque estariam protegidas de nossa capacidade de poluí-los, exterminá-los, desmatá-los e matar animais aquáticos e terrestres. Melhor, fauna e flora terrestres, marinhas e lacustres.

Poderíamos manter os ricos atrás das grades dos condomínios fechados com cercas elétricas e torna-los protegidos das sociedades de periferia. Sob guardas armados e cercas elétricas estariam somente existindo para seus Shoppings, suas academias e cinemas privês. Estariam protegidos de nossa insânia.

Poderíamos manter atrás das grades periferias inteiras. Com seus campinhos, suas Igrejas precárias, suas escolinhas sem bancos e sem professores para que não se perdessem em ideologias que não lhes cabem e que distorcem sua realidade quando dizem que aquilo não é real. Real é o Big Brother. Ai sim eles entenderiam completamente que ser eliminado e ir para o paredão é fato consumado no dia-a-dia. Uma escola de vida, esta vida atrás das grades. Uma escola de vida e de morte, mesmo quando não consumada na extinção do corpo, mas que extingue a fonte do sofrimento – a alma. Quando o corpo padece, a alma vai embora. Atrás das grades até as almas são apenadas.

A vida atrás das grades é a grande proteção contra a incúria dos que não passam fome vivem a vida de fausto e nem desperdiçam tempo com a vida do resto. Afinal, o resto sempre deverá estar atrás das grades. 

Mas ai eu pergunto, com tantas coisas atrás das grades, onde estaríamos nós?

Pensando bem, quem somos nós?

Eu respondo. Somos os 99% dos que vivem atrás das grades e não sabemos que 1% as construíram, para o seu próprio deleite.

Vai Ali: