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Janeiro Branco e a “transtornização” do mundo

É preciso, sim, falar de Janeiro Branco e saúde mental. Mas precisamos falar mais de subjetividade e menos de DSMismos.

Claro, as redes sociais explicitam os fatos e evidenciam a ignorância. Através delas temos acesso a textos que vão desde psicanalistas da Folha até pseudo-intelectualóides de D.A. de curso de humanas. Entre eles, uma pletora de desatualizados  das mais diversas profissões sentem-se no dever cívico compulsório a opinar sobre tudo.

E falar de saúde mental, pra quem não é da área, é complicado. Entrei no site do Janeiro Branco e de cara já vi uma citação do Skinner. Guardadas as devidas proporções entre as áreas da psicologia, não é Skinner que vai ajudar a causa (aliás, como brilhantemente disse uma colega psicanalista, se quiser saber como funciona a psicologia de Skinner, assista Laranja Mecânica). Tampouco é a galera reprodutora das síndromes e transtornos que os DSMs – Manuais de Doenças Mentais – fizeram questão de aumentar o pânico da população, juntamente com seu fiel escudeiro, o garoto prodígio da indústria farmacêutica.

Em meio a isso tudo, li um belo texto de outra psicanalista no jornal. Me veio uma mistura de orgulho pela profissão e tristeza, por ver que a opinião dos psicanalistas, justamente os que prezam pela subjetividade sem hashtags mentais, é reduzido a dois ou três parágrafos, enquanto profissionais despreparados que trabalham única e exclusivamente com o comportamento dito normativo de uma sociedade periculosa e capitalista ganham 5 páginas inteiras recheadas de conselhos retirados de livros de autoajuda.

Janeiro Branco deveria ser mais para respeitarmos a subjetividade que “sair do armário” com nossas “síndromes”. Não é fácil para alguém que esteja passando por um momento de pânico admitir isso e buscar ajuda – algumas vezes farmacêutica. Mas se Janeiro Branco serve pra alguma coisa, deveria ser para um autoconhecimento profundo e não pra aumentar a quantidade de gente auto alegando ter Síndrome do Pânico ou Depressão ou Transtorno de Ansiedade ou Déficit de Atenção, com a receitinha azul do Facebook, da Wikipédia ou dos charlatães que se dizem psicoterapeutas ou psiquiatras patrocinados por laboratórios que distribuem receitas com o mesmo regozijo egocêntrico de estarem distribuindo autógrafos em um show de rock.

Precisamos admitir que um momento de pânico é, às vezes, um momento de pânico; que uma tristeza que perdura uma ou duas semanas é apenas uma tristeza de perdura uma ou duas semanas. Isso é subjetividade. Existem sim, casos patológicos de depressão. Mas, honestamente, se todo mundo que eu conheço e que se alega deprimido fosse, de fato, patologicamente depressivo, Diazepam seria item obrigatório na cesta básica.  

Janeiro Branco serve pra dizer que nós temos o DIREITO CÍVICO de sermos tristes de vez em quando sem precisar de hashtag #depressão. Temos a OBRIGAÇÃO de ter medo de chuva, de ter medo de dirigir à noite, de verificar 3 vezes se trancamos a porta de casa sem precisar tomar coquetéis de remédios. A rivotrilização da vida cotidiana vai além de um mês de consciência sobre a saúde mental.

Tenho a impressão que tem gente que acha bonito gritar aos 4 ventos que precisa de Rivotril pra dormir. Isso não deveria ser bonito. Ao contrário: isso é muito perigoso e é EXATAMENTE pra isso que deveria servir o Janeiro Branco. Pra conscientizar que, às vezes, uma insônia é apenas uma insônia. Vivemos ligados no 220 o tempo todo, como dormir tranquilamente depois de passar 7 horas plugados? Aí o sujeito vai e culpa a depressão ou a ansiedade, buscando as tarjas pretas – pois as azuis e vermelhas, nem pensar! “meu problema é maior que isso, ansiolítico não resolve; o médico falou que eu TENHO que tratar uma vez por semana que meu caso é grave!” – e não para uma horinha por dia pra correr, jogar bola, malhar, tocar guitarra… Praticar um hobby.

Hoje tudo parece ser perda de tempo. O hobby que deveria vir pra desestressar dá espaço pra mais uma horinha de trabalho ou videogame, mais plugs, mais voltagens. Em consequência, mais busca por medicação. Aí é bola de neve que não termina nem com os porres de sábado à noite. Por que, ironicamente, no bar não há depressão nem nada.
Janeiro Branco: a luta do século entre a subjetividade de fato e a vitrinização de transtorninhos e síndromes de Wikipédia.

Tiago Sarmento é doutorando em Teoria Psicanalítica pela UFRJ e psicanalista em formação. E é necessário destacar isto antes de começarem os mimimis.

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