Lixos pelo Mundo – OS PADRÕES DE CONSUMO, DESCARTE E OS RESÍDUOS SÓLIDOS

Cidadania Sustentavel - Por José Roberto Abramo

18/11/2021

Por Jose Roberto Abramo

A quantidade de lixo produzido pela população mundial é exorbitante. São 1,4 bilhão de toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos por ano em dados de 2019. Considerando a população mundial 7,9 bilhões em outubro de 2021, isto significa que, a se supor a mesma quantidade produzida em 2019 e a população de hoje, teríamos 1,7 Kg de lixo gerado por habitante da Terra. Mas, não é bem assim. Quase metade deste lixo é gerado por 30 países, que são justamente os mais ricos. Logo podemos fazer a associação riquezas à alta geração de resíduos.

Existe uma previsão de que até 2050 esta produção vai a um aumento de 350%. Esta previsão foi feita por pesquisas bancadas pelo Banco Mundial e as Organização das Nações Unidas. O que seria uma população para mais de 9,7 bilhões de pessoas gerando em torno de 4 bilhões de lixo. Mas isto pode mudar, se mudarmos o comportamento.

O PIB de um país mede a atividade econômica. Ele é um instrumento de medida de atividade econômica. Mas, o PIB não é indicador de riqueza. Para se medir riqueza, medimos o patrimônio. Porém, não relacionando PIB com riqueza, mas com atividade econômica, existem outras injunções assim como a medida da riqueza dos países e regiões, por exemplo, se racionarmos com algum crescimento anual do PIB mundial daqui para frente até 2050, as estimativas de produção do lixo estimadas acima podem se realizar. Fixamos então mais um parâmetro: que o aumento do PIB tem relações com o aumento da produção de lixo. A explicação é que a atividade econômica seja de poucos ou muitos e o aumento dos patrimônios, ou seja riqueza, podem ambos culminar na maior produção de resíduos sólidos.

A recuperação da economia mundial está sendo até vigorosa, mas também profundamente desigual.  O crescimento está concentrado em algumas das principais economias, e a maioria das Economias Emergentes e em Desenvolvimento (EEDs) está ficando para trás.  Nos países de renda baixa o efeito da pandemia reverte os avanços das últimas décadas. Décadas onde estava havendo redução da pobreza.

Podemos compreender a relação da pobreza também com a poluição. Países como a Somália, Eritrea, Madagascar, Niger, e Afeganistão estão no topo da lista da degradação dos seus recursos naturais e é fácil perceber as razões. Estes países não têm dinheiro para tratar adequadamente seus resíduos. Grande parte da população não tem acesso à água tratada e ao esgoto. Essa combinação de fatores leva a um estado de saúde precário para grande parte destes países. O contato com o lixo e o esgoto multiplicam doenças e ajudam a criar epidemias que o país não consegue combater. As condições de vida, então, se tornam degradantes.

Se faz necessária então políticas para estimular a recuperação econômica destas economias, até mesmo por questões humanitárias. Mas, como são os mais ricos os que podem ter seus PIBs aumentados e/ou o patrimônio, podemos antever que de uma ou de outra forma, periga o meio ambiente de ser agredido se não tomarmos consciência da forma como nos relacionamos com o problema ambiental. Se tanto a riqueza quanto a pobreza são deletérias para o meio ambiente, temos de agir conscientemente para sanar as agressões do crescimento e da degradação das economias.

A maior parte do lixo ainda é colocada em aterros. E isto tem um custo ambiental e financeiro. O custo ambiental do lixo é a inutilização do solo, a contaminação da água a partir dos lençóis freáticos e a poluição do ar. E com isto a redução da qualidade de vida bem como ambientes destruídos.

A matéria orgânica degradada e exposta em lixões e aterros sanitários mundo a fora, produz gases tóxicos e os gases chamados estufa, CO2­­ e metano (CH­­­­4). A queima produz poluição atmosférica. A cada dez toneladas de lixo aterrado produz-se um metro quadrado de solo inutilizado. E isto tende a ser permanente, ou seja, de difícil reversão.

A água da superfície, como rios, lagos e mares, também é contaminada pelo descarte irregular. E como já mencionamos, a contaminação por parte dos lixões às águas subterrâneas pela geração do chorume é constante.

O orçamento dos municípios está comprometido em 20 a 30% em média com a coleta e destinação desses resíduos e existem os que não tem coleta ou tratamento adequados.

Os principais deficitários neste quesito são a África, o Sudeste Asiático mas também a América Latina. São necessários em torno de 40 bilhões de dólares na totalidade destas regiões, para garantir universalidade de tais serviços.

No Brasil, por exemplo, o envio de materiais que poderiam ser reciclados para os lixões, perde 8 bilhões de reais por ano. Mesmo países desenvolvidos como os EUA, perdem dinheiro por não possuir tratamento adequado de lixo urbano, além de ainda contribuírem para a poluição ambiental. E apesar da drástica queda do número de aterros desde a década de 1980, o volume do lixo continua igual.

Considerando que o aumento do PIB está relacionado com o aumento da produção de lixo, o mercado global do lixo poderia faturar mais. Atualmente este mercado movimenta 410 bilhões de dólares.

Segundo um relatório de 2012 da União Europeia, ela poderia economizar 72 bilhões de euros, com a adoção de uma política consciente dos resíduos sólidos. Seriam gerados também 400 mil novos postos de trabalho no mundo, um aumento de 20% da quantidade atual.

O lixo Eletro-eletrônico

A era da tecnologia fundou o descarte de resíduos elétricos e eletrônicos. Se consome mais a eletricidade no mundo, logo, os dispositivos que ela alimenta. Mas a grande introdução foram os artefatos tecnológicos da eletrônica. Estes formam o lixo eletrônico, ao serem descartados por obsolescência ou defeitos ou ainda por modismo. Se um equipamento eletrônico ou elétrico perde sua capacidade de nos ajudar vai ser necessário o descarte dele.

Em dados de 2019, o mundo viu 53,6 milhões de toneladas de aparelhos eletroeletrônicos sendo descartados o que perfaz um crescimento de 21% nos últimos 5 anos. Da quantidade total, pode ser reciclado apenas 17,4%, ou que venham se tornar matéria-prima para outros produtos.

O resto além de não poder ser reciclados, o que seria uma economia em valores financeiros e ambientais, tem sido descartados de maneira inapropriada. Eles foram parar em aterros sanitários ou lixões irregulares, principalmente em países pobres, afetando a saúde dos seres humanos nesses locais e até mesmo podendo contaminar o meio ambiente.

Um exemplo é o imenso lixão à oeste de Acra, capital de Gana, pequenas fogueiras queimam pilhas de velhos computadores, telas de TVs e laptops, lançando uma espessa fumaça negra. E catadores recolhem placas-mãe, metais, fios de cobre e queimam no caminho capas plásticas, o que enche o ar de substâncias tóxicas mais à frente.

E o pior é que a cada ano centenas de toneladas deste lixo eletro-eletrônico vêm, da Europa e América do Norte. Ou seja, os países desenvolvidos limpam seus quintais alugando espaço nos países pobres, mas não efetivando o descarte de forma a que o ambiente seja preservado e, não livrando localmente as populações destas regiões de problemas graves.

Especialistas alertam que as toxinas do lixão estão lentamente envenenando os trabalhadores destas regiões, da mesma forma que poluem o solo, águas e atmosfera.

“Mercúrio, chumbo, cádmio, arsênico – estas são as quatro substâncias mais tóxicas [no mundo], e são encontradas em grandes quantidades em lixões de eletrônicos”, explica Atiemo Smapson, um pesquisador da Comissão de Energia Atômica de Gana, que conduziu vários estudos sobre a área de Agbogbloshie*, usada para o despejo.

Ainda não existem estudos que possam aquilatar a saúde destes trabalhadores, ou os que retiram dos lixões seu sustento. Há poucas informações sobre doenças e mortes. Mas é sabido que a exposição a essas toxinas é causa conhecida de uma gama de males, que vão desde a uma série de tipos de câncer a doenças no coração e respiratórias, isto sim fato comprovados. Portanto, a desinformação quanto ao estado dos que ali trabalham, não permite deduzir que não haja estragos em larga escala.

Os países vão produzir milhões de toneladas-ano de lixo eletrônico devido à obsolescência de produtos de alta tecnologia. Boa parte desses eletrônicos vai terminar em diversos lixões na África e na Ásia, em vez de serem reciclados no país em que foram vendidos.

Na África, os países mais afetados são Gana, Nigéria, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. Na Ásia, a China, Índia, Paquistão e Bangladesh são os maiores destinos de aparelhos descartados ilegalmente.

Em 2015, em uma reunião em Genebra na Suíça, foram dados alguns passos para acertar o conceito de lixo eletrônico. Há os aparelhos que pararam de funcionar porque estão obsoletos, para os quais não há mais peças. Há aqueles que ainda funcionam, mas, simplesmente, são trocados porque surgiram outros, mais novos. Lá também foram estipuladas orientações de reciclagem, reparo e reuso de elementos não perigosos dos aparelhos. Será, talvez, o primeiro tratado internacional que prevê tais medidas.

Agora uma questão ética: por que exportar para a África artigos eletrônicos defeituosos ou inoperantes? Segundo os jornalistas, a razão é simples: custa mais barato do que reciclar devidamente os resíduos no mundo industrializado de onde se originam. Esta pode ser uma solução míope, porque se a reciclagem for um estudo bem desenvolvido, aumenta o número de itens, gera emprego e renda no país de origem, além de acabar com a solução pouco ética. O gasto inicial com as pesquisas pode ser tratado como investimento nas economias e no meio ambiente.

No Brasil um estudo patrocinado pela Trata Brasil, GO Associados e Asfamas, expõe a grande ineficiência do Brasil na distribuição de água potável pelas cidades, quase 40% (39,2%) de toda água potável não chega de forma oficial às residências do país por vazamentos, fraudes e roubos, erros de medição. Falta de água e desperdício, uma enormidade no Brasil.

O Brasil não apenas desperdiça água potável. Nós possuímos uma das maiores florestas do mundo e grande concentração de água doce para consumo humano. Temos também grande quantidade de terras agriculturáveis. Porém, enfrentamos problemas na preservação ambiental porque tivemos e temos uma urbanização massiva e mal organizada o que não permite um saneamento básico e gerenciamento de resíduos adequado. Desta forma, os habitantes mais pobres têm péssimas condições de saúde e qualidade de vida.

Os países de renda elevada possuem um consumo maior, mas com padrões mais limpos na forma deste consumo. Porque existe mais educação e educação ambiental. Existe uma maior consciência quanto à destinação dos resíduos. Isto tudo não ocorre no Brasil.  Padecemos de baixa renda, crises intermináveis, baixa escolarização nas classes e pouca educação ambiental, mesmo nas classes mais elevadas.

Os Lixões da Moda

Em notícia do G1, reverberando a BBC, sob o título: Todas as semanas, mais de 15 milhões de peças de roupas usadas chegam a Gana, na África Ocidental, mas apenas parte disso consegue ser reaproveitada. Notícia veiculada em outubro de 2021. Na reportagem é esclarecido que estas peças vêm da Europa, China e Estados Unidos da América.

Estas peças são manufaturas baratas, de baixa qualidade e que podem ser descartadas também por estarem danificadas. Como estas peças padecem de encalhe por causa da qualificação, são descartadas em aterros no 3º mundo.

Em outra reportagem reverberada da RFI, uma rádio francesa de notícias que transmite para o mundo todo em francês e em outros 15 idiomas, temos o título: No Chile, o deserto do Atacama abriga lixão tóxico da moda descartável do 1° mundo.

A paisagem árida de Atacama no Chile está coalhada de roupas descartadas de diversos países.  Estas peças descartadas no Atacama o são em lixão clandestino. Segundo a reportagem, são montanhas que crescem cerca de 59 mil toneladas por ano entrando na zona franca do porto de Iquique, a 1.800 quilômetros de Santiago.

O consumo fugaz de coleções inteiras em redes que as lançam em mais de 50 novas por ano alimenta o lixo têxtil exponencialmente. E não apenas no Chile como vimos acima.

Este material leva 200 anos para sofrer desintegração.

Vale destacar que a indústria da moda hoje depende fortemente de recursos não-renováveis, como fertilizantes para cultura de algodão, petróleo para produção de fibras sintéticas e corantes para tinturarias. No total são cerca de 98 milhões de toneladas de recursos não-renováveis consumidos por ano.

A cadeia produtiva têxtil é uma das maiores consumidoras de água do mundo, utilizando anualmente 93 trilhões de litros. Os dados são do relatório “Uma nova economia têxtil“, produzido pela Fundação Ellen MacArthur.

Importante também salientar são os efeitos sobre a qualidade da água e as mudanças climáticas, quais sejam, 20% da poluição aquática global é atribuída à coloração e tratamento de fibras e tecidos e a indústria têxtil emite na atmosfera mais de 1 bilhão de toneladas de gás carbônico por ano. Acaba que isto é mais que a emissão de todos os voos internacionais e de transporte marítimo do mundo.

Estamos definitivamente em ritmo desajustado indústrias, sua produção e descarte e os ecossistemas. A taxa de desperdício no setor de confecção e vestuário varia de 15 a 20%, na sua totalidade de produção. E agrega que mais de 50% da produção massiva na moda é descartada em menos de um ano. Existe um prejuízo associado ao descarte. Ele é ambiental, mas não apenas. Existe também o econômico. Somente no Reino Unido o gasto anual com disposição de resíduos têxteis é de cerca de 108 milhões de dólares.

Apenas 13% deste material é reciclável. Ou seja, com a produção em alta teremos descartes inevitáveis, ecossistemas pelo mundo a fora abalados, e prejuízos financeiros com este descarte. Se faz necessária, não apenas por ética, mas por planejamento econômico a atenção a este modelo de produção.

A Revista Com Ciência revela que “A União Europeia tem dado o exemplo na redução do desperdício e melhoria do descarte. O grupo de países aprovou uma nova legislação para o setor, com leis que exigem que a indústria da moda adote um modelo de economia circular, de modo a eliminar o descarte de materiais têxteis nos aterros até 2025. Os efeitos dessa medida podem ser sentidos em toda a cadeia, até no contato direto com os consumidores: algumas marcas de grande porte, como a Adidas, já disponibilizam pontos de coleta de roupas em suas lojas.”

Uma medida que pode ajudar a solucionar o problema de descarte de resíduos têxteis é o upcycling (“reutilização criativa”), que propõe que os resíduos sejam utilizados na fabricação de novos produtos. O upcycling faz parte da economia circular e tem crescido no Brasil e no mundo. Alguns produtos quando não reutilizados podem gerar subprodutos em outra cadeia de fabricação.

Existe várias empresas e pesquisadores tentando a utilização destes materiais e tentando conseguir que possam utilizar em outras áreas, inclusive gerando patentes. O que é muito bom para todos.

Além do upcycling, é necessária a criação de empresas que coletem e organizem esses resíduos para destiná-los a outras aplicações. Este seria um outro nicho de mercado. O que é necessário apenas é pesquisa de como trabalhar o produto que vem.

Algumas indústrias conseguem alimentar fornos com resíduos. Mas essa indústria teve custos para desenvolver essa tecnologia.  Precisamos de mais empresas desse tipo, mas elas só existirão quando a prefeitura não recolher mais [os resíduos], quando o aterro não receber mais. É a necessidade que vai fazer surgir essa empresa. Hoje ela não é necessária”, explica. E ficamos por aqui.

O vídeo comentado deste meu artigo está no link:

https://youtu.be/0Ye5DzKsyzM

 

 

 

 

 

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