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Mulheres – Mundo – Gênero – Democracia

Para a filósofa existencialista Simone de Beauvoir, “A gente não nasce mulher, torna-se mulher”.

Judith Butler, a respeito da afirmação de Beauvoir, nos diz que não há nada na explicação de Beauvoir que garanta que o ser que se torna mulher seja necessariamente fêmea.  E define:

“O gênero seria um fenômeno inconstante e contextual, que não denotaria um ser substantivo, “mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes”

Butler quer dizer que não existe uma identidade de gênero por trás das expressões de gênero, e que a identidade é performaticamente constituída.

Para Butler não vai existir “Mulher”, mas Mulheres e mesmo assim este plural não abarca raça, etnia, idade, e eu diria individualidades. Assim quando uma feminista defende ou tenta emancipar as mulheres, elas têm um grande problema: Quem constitui o ‘quem’, o sujeito para o qual o feminismo busca uma libertação? Se não existe sujeito, a quem o feminismo vai emancipar? Assim o feminismo acabaria com a restrição de sujeitos que quer representar e abre o leque para uma atitude de representação não fixas e mutáveis. “Se as identidades deixassem de ser fixas como premissas de um silogismo político, e se a política não fosse mais compreendida como um conjunto de práticas derivadas dos supostos interesses de sujeitos prontos, uma nova configuração política surgiria certamente das ruínas da antiga”. A emancipação passaria a ser socialmente de todas categorias de pessoas presas em representações que estariam sendo construídas ao longo de suas vidas. No entanto, Butler não se bate contra o feminismo, que considera uma evolução, mas que existe a necessidade de se avançar conceitualmente.

Teoria Queer

A teoria queer começou a ser desenvolvida a partir do final dos anos 80.

Queer pode ser traduzido por estranho, excêntrico, raro.  A ideia é tornar positiva a forma pejorativa de insultar os homossexuais. Desta forma, o termo opera na prática como o propósito de degradar os sujeitos aos quais se refere. Visto de uma outra forma, o termo quer ser uma invocação reiterada que se relaciona com acusações, patologias e insultos. Então, modernamente, existe a proposta de dar um novo significado ao termo, passando a entender queer como, uma prática de vida que se coloca contra as normas socialmente aceitas.

Os teóricos do queer combatem que o modelo heterossexual seja entendido como o único correto e saudável. Por isso, os primeiros trabalhos dos teóricos queers apontam que este modelo foi construído para normatizar as relações sexuais. E assim, os pesquisadores e ativistas pretendem desconstruir o argumento de que sexualidade segue um curso natural. E que existe uma necessária a associação entre heterossexualidade e reprodução.

Todos reconhecemos a importância das construções sociais e culturais na constituição do mundo e dos sujeitos da forma como os vemos. Mas, estas construções não foram bem sucedidas. Não todas as tentativas de ilustrar o caráter social de estruturas que parecem tão naturalizadas: o corpo, o sexo, as diferenças entre machos e fêmeas etc.

A materialidade do “sexo” nos impede de questionar se este teria uma história ou se é uma estrutura dada. A discordância atual vem de só podermos fazer teoria social sobre gênero, enquanto sexo estaria pertencendo ao corpo, ou à natureza.

Os teóricos queer debruçam-se sobre o desmonte de heteronormatividade. Pretende-se historicizar o corpo e o sexo, dissolvendo a dicotomia sexo x gênero. Até porque, em nossa sociedade estamos diante de uma ordem compulsória que exige a coerência total entre um sexo, um gênero e um desejo/prática que são tidos como obrigatoriamente heterossexuais.

É preciso, por outro lado, entender que não existe uma ideologia que pretenda “mudar” a característica heterossexual de uma pessoa, ou de um grupo ou de uma sociedade.  Ou ainda, que lhe imponha outra normatividade. Apenas que não se pretenda que esta seria a única norma tida como natural.

Alain Touraine, o sociólogo francês, nos diz que:

“vimos impor a ideia de que as normas de relacionamento entre mulheres e homens foram criadas com o objetivo de cimentar a hegemonia de um sistema social, aquele que dá o real monopólio às relações heterossexuais, privilegiadas por sua função de reprodução social através da criação de famílias e no interior das quais instala-se uma dominação masculina fundada no controle masculino das formas sociais de reprodução da espécie e da sociedade”.

Os teóricos queers dão uma forma radical a estas ideias, reivindicando as categorias de gay e lésbicas, mas negando a existência de uma real categorização histórica.

A Mulher – A Visão de Touraine

Para Alain Touraine o gênero foi criado pelas categorias dominantes, que definem a mulher como um ser que não tem poder. Em nossa cultura o polo de inferioridade está na mulher. Se usarmos o conceito de gênero como protesto é muito empreendedor. Se quisermos entender movimentos de libertação e a ação autônoma das mulheres, precisamos ir além do gênero.

E como questiona Judith Butler, as mulheres precisam ir além de gênero. É importante rejeitar o dualismo homem-mulher, ou homossexual-heterossexual. É necessário ir além desses dualismos, que em si só são formas de hierarquização e inferiorização. Reconhecer a importância da transexualidade porque é uma forma de relativizar a hegemonia das relações heterossexuais como normais, apenas.

Na palavra e no conceito de libido, há algo que é biológico, que em grande medida não estaria determinado pela sociedade. O uso do termo "sexualidade", é uma forma de o sujeito construir-se ou, essa abordagem opõe-se ao conceito de gênero. É importante o estudo da bissexualidade, que tem sido um tipo de comportamento mais reprimido precisamente porque elimina os dualismos de gênero e mais do que outro decompõe as categorias.

Para Touraine o mais importante é que as mulheres constroem um modelo universal

As mulheres, mesmo nesse nível – o mais básico – constroem alguma coisa e os homens não constroem nada. Isso demonstra que as mulheres, como todas as categorias dominadas, procuram o significado da dominação, e têm a capacidade de não se integrar à sociedade de consumo de massa, mas de criar uma nova orientação do valor, e como "sujeito". Este é o trabalho de criar ou manter uma individualidade, e sua singularidade. Ao falar de "mulher", Touraine não está descrevendo uma "natureza feminina".

Touraine nos diz que neste momento descobre que o “sujeito” era mulher – o que não quer dizer que as mulheres sejam melhores do que os homens! E, para ele falar de mulheres é fazer uma teoria geral ou, fazer uma Sociologia das mulheres é fazer uma Sociologia geral.

O pós-feminismo está falando sobre os problemas mais abstratos e gerais: como alcançar mais igualdade entre homens e mulheres.

Butler pensa na representação política e linguística por extensão, que esta já apresenta duas opções, quais sejam, homem e mulher, sujeitos que devem assim se conformar. E estes sujeitos construídos e conformados o são de acordo com as normas e assim representados politicamente. Butler assevera que as mulheres não devem pleitear ser o sujeito dentro desta norma, mas transgredir os critérios desta regulação política e de representação. Porém não é admissível por hora subverter toda a política feminista, senhora de muitas conquistas.

O pensamento de Butler está dentro do que se convencionou chamar de pós-feminismo.

Igualdade

O movimento de mulheres trata da autocriação das mulheres como sujeitos. É um movimento que não tem metas externas. É um movimento de libertação "puro". Mesmo em um nível muito mais simples, por exemplo nas revistas femininas, encontramos essa ideia central da "autocriação". Alain Touraine

A questão da diferença entre os seres humanos é parte da história da humanidade. Está presente nos mais diversos discursos – filosófico, religioso, biológico/científico, psicológico, antropológico e social. Mas é na modernidade que esse tema ganha maior relevância como objeto de análise.

Os seres humanos não nascem iguais. Sim, mas estas diferenças não podem impedir que os direitos sejam iguais. Nossa sociedade mundial pretende ainda defender que se os homens não são iguais, os direitos não devem ser iguais. Por toda parte, ainda hoje em dia, e principalmente com a Globalização e os regimes ultra-neoliberais, vivemos sobre uma ordem social opressora, como um movimento interminável de dessocialização que atinge tanto o mundo das ideias quanto o da organização social e das atitudes individuais. Existe uma total impotência dos sujeitos ou dos atores em sociedades face ao triunfo das redes financeiras e das empresas transnacionais e o desmantelamento de todos os discursos da esquerda, ou de movimentos progressistas, ou de sua representação. Aliás, toda a forma de representação tem sido objeto de escárnio. Não que os representantes não tenham se dado ao jugo dos poderosos das matrizes financeiras ou do capital. Mas, porque o trabalho das mídias descaracteriza qualquer movimento de representação legítimo ou não.

A Desigualdade ainda

Todos os aglomerados humanos que foram dominados e privados da liberdade, ou da subjetividade vieram a protestar, em algum momento. Aí se constrói algo. Alguns poucos fizeram este movimento do protesto com o valor positivo que a outros serviram. O valor positivo estava nestes naquilo que foi destruído, vilipendiado, bloqueado ou suprimido. A positividade veio em se tornar-se sujeito da ação política de reconquista da dignidade. E é por isso que carregaram consigo a convicção, a solidariedade, o espírito da luta, da entrega e do sacrifício.

Se alguns indivíduos de uma sociedade vêm a se definir pela potência de mudar ao invés de se sujeitar a uma ordem monocrática estabelecida, eles serão definidos mais do que pelo seu pertecimento social. Aí nasce um sujeito, um ator da História. Este sujeito carrega em si, o direito de todos. Este grupo liberta seus próprios algozes do anacronismo que se veem investidos por executarem um perfil social imposto.

“As mulheres começam a falar a partir de sua própria condição de mulher, condição esta que é constituída a partir do reconhecimento da opressão, do reconhecimento da   história   pessoal   e coletiva   de interesses e lutas próprias”.  (Céli Regina Jardim Pinto – tem formação em história e é doutora em ciência política pela Universidade de Essex, na Inglaterra.)

O grande desafio para a humanidade neste momento é realizar um diálogo cultural. Aqui temos a necessidade de uma perspectiva de atuação intercultural. Temos de ver o outro. Não há cultura melhor. Todas contribuem e revelam o ser humano na integridade. Assim, também nas questões de gênero, necessidades colocadas pelas mulheres, em princípio, temos de conhecer os outros sujeitos históricos e suas necessidades de pertencimento a esta estrutura de sociedade global. E não um globalismo que pretenda que todas as culturas devem estar sob a égide de uma mesma matriz (ou matrix) escolhida por poucos.

Por este motivo o paradigma cultural evidencia a construção de uma sociedade possivelmente liderada (e não comandada) por mulheres na luta emancipatória das culturas e destas sociedades. Não estamos em uma sociedade plural, onde haja igualdade entre homens e mulheres, e não mesmo em uma sociedade andrógina. Estamos em uma sociedade que já evidencia a orientação das mulheres. Serão as mulheres, no olhar de Alain Touraine, que trazem os ideais de extensão da democracia. O discurso das mulheres tem sido democrático, mas não revolucionários. Não é o mote principal no movimento pós-feminista, a revolução, ainda que sob certos aspectos seja revolucionário, mas antes de tudo a democracia. Se o homem era o sujeito opressor, ele fatalmente se libertará deste papel.

Este artigo continuará em outro momento trazendo as discussões de outros autores.

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