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O império de Tânatos

Para quem se interessa por política, convido a ler o conto A Sereníssima República do Machado de Assis. Mesmo pra quem não se interessa tanto e apenas acha que essa ladainha toda que tem acontecido ultimamente na política brazuka é coisa pós-moderna este texto pode ser iluminador. Em 1882, profeticamente, Machado fala sobre fraudes, manipulações e golpes de estado em uma teia cheia de aranhas ao realizar uma eleição “democrática”. As falcatruas que as aranhas-candidatas arrumam chegam a ser tão ridículas e imbecis que só poderiam ter saído da imaginação fértil de um escritor como Machado.

Até que chegamos ao cenário atual e vemos que elas eram elaboradíssimas em comparação com as manobras de hoje em dia, quase como que Machado veio em uma máquina do tempo e tirou sua inspiração dali. É de se espantar como um Ca de Caneca vira um Nebraska (não sacou? Leia o texto 😉 sob aplausos e complacência do público. Será que a massa já era tão silenciosa assim mesmo antes de ter tanto meio de manipulação?

(Um parêntese: sou apolítico e apartidário. Pra mim, coxinhas e sanduíche de mortadelas são rangos deliciosamente calóricos que eu evito comer pra não exagerar nos carboidratos. No mais, acho que tanto a rede que chamam golpista como a carta que dizem vir da capital são antros de baboseiras e manipulações. E nem vou começar a falar dos supostos líderes de opinião de Facebook porque já deu. Como diria Pessoa, “arre! Estou farto de cientistas-políticos-semi-deuses!”).

 Mas será que Machado era mesmo profeta? Será que o Brasil já era essa orgia governamental desde os tempos mais primórdios? Será que hoje está rolando mesquinharia nova ou a velha roupa colorida com um corte mais moderno? Será que os deuses eram astronautas???

 A verdade já constatada é óbvia e ridícula, assim como nas manipulações das aranhas: nunca vivemos uma época de tanta divisão. A cada dia, surgem mais e mais discursos de não-binarismos, de quebras de polaridades. Mas as mesmas pessoas que pregam isso usam de ironias baixas e chulas pra pisar na cabeça de quem não pensa igual – “e com todo direito de sê-lo! Estão me ouvindo? Com todo direito de sê-lo!!” (Poema em linha reta de novo….). Os hashtags #maisamorporfavor estão cada dia mais direcionados apenas para os pares. A tolerância parece ter ido pro ralo, mesmo que o discurso ainda seja “respeito às diferenças”.

Acho que esse respeito pregado está apenas na primeiridade. Ou, no mais, está apenas na quebra do preconceito racial e sexual – que, por si só, já deveriam ter acabado na época do conto do Machado. O lindo movimento de respeito e compaixão com etnias e preferências sexuais e de gênero é inversamente proporcional à carga destrutiva e mimada do preconceito e do ódio partidário. De um lado, uma meia dúzia de boçais usando camisa da Seleção pedindo intervenção militar, sendo que nunca sequer na vida lavaram um prato de sopa no dia seguinte ou nunca tiveram um problema burocrático que não resolvessem sem a ajuda de um serviçal. Seria minimamente interessante ver, em uma dimensão paralela, se isso realmente acontecesse e esses próprios beócios tomassem uma ou outra toalhada molhada no bumbum; de outro, uns esdrúxulos que se acham intelectuais só por terem lido resumo de Foulcault, O Capital ou alguma coisa do Martín-Barbero fazendo piadinha rebaixando quem vota nos tucanos, como se fosse virtude ou certeza cósmica suas posições (e se você leu isso e se sentiu ofendido, deu uma risadinha de lado e pensou “mas minha visão é melhor mesmo que a desses coxinhas”, desculpa eu te dizer amigo, mas você precisa aceitar melhor quem pensa diferente).

Nem um nem outro. Nessa briga, fico eu aqui, usando uma blusa branca meio puída, só manjando a galera sendo estúpida com os próprios amigos que pensam diferente.

Entre Eros e Tânatos, entre a União e a Destruição, Vida e Morte, parece que Tânatos está levando a melhor nesse round. Como todo dualismo, a destruição é essencial pra união, pois, sem as quebras de paradigma que ela proporciona, não haveria força suficiente para unir um grupo. Basta ver como a tragédia da Chapecoense, durante dez horas, uniu todo mundo.

Ficam as palavras de um amigo na internet, “basta uma tragédia pra natureza humana se revelar: o amor”. Eu reticentemente discordo dessa visão. Não é o amor que parece guiar as pessoas. Caso contrário, acho que nossa pegada seria outra e estaríamos em um passo civilizatório um pouco adiante. Ainda somos seres que buscam a segregação, pois reagimos com hostilidade a tudo que não reflete nosso Eu, a tudo que é alien, a tudo que é outro, que vem de fora, que vai de encontro às ilusões narcísicas e intelectuais que cultivamos no céu da nossa ignorância.

Mas, pelo menos, um passo já foi dado nesta nossa (Des)Sereníssima República atual: coxinhas e mortadelas sabem que, do jeito que está, está uma m***a.

E isso, amigo, sob o domínio de Tânatos já é um avanço e tanto!

Vai Ali: