Pelo fim dos tapinhas nas costas

Crônicas - Por Vai Ali

11/05/2017

Artistas, uni-vos pelo fim do “massa, depois eu quero sacar seu som”!

Quem é músico com som autoral está cansado de ouvir essa frase. Ela é o “Beetlejuice, Beetlejuice, Beetlejuice” do compositor. Dizem os antigos que, ao ser proferida, um fantasma vem assombrar o pobre artista. E fazer esse espírito zombeteiro voltar pra maquete de plástico é difícil: impossível fazê-lo dizer o próprio nome – ou, no caso, o sujeito da frase ouvir o seu som. Ele quase chega a te convencer que você também está morto.

Não vou falar da cena juizforana, que já está sendo muito bem discutida. Vou falar de quem compõe qualquer cena: o sujeito eu e o sujeito você. Quando pensamos em CENA, vem algo de Baudrillard na cabeça, como algo amorfo, silencioso e incapaz de passar informação adiante. Mas por trás das máscaras de Guy Fawkes – calma, um assunto polêmico por vez! – existem rostos que ainda tem expressão. Ainda, pois, aos poucos, o que vemos são aquelas caras desfiguradas passando como prisioneiros do holocausto no trem de The Wall. Todas desfiguradas pelo mesmo discurso: “ah, mas nem tem muito compositor bom aqui. As músicas não fazem sucesso na rádio…”

Só de ouvir isso arrepia!

Beetlejuice, Beetlejuice, Beetlejuice!

O problema é que se a gente for refletir em cima do que esse fulano disse, nossa conclusão pode abrir o primeiro selo do Apocalipse. Uma verdade há de ser dita, parodiando o que falo sobre as cervejas artesanais: “não é por ser artesanal que ela é boa; mas eu ainda prefiro ser surpreendido negativamente por uma cerveja caseira a tomar sempre o mais do mesmo milho”. Não é por você fazer um som autoral que ele seja automaticamente bom pela pura aura do hic et nunc. Precisamos aprender isso. Infelizmente, qualidade sonora é, sim, uma dádiva de poucos.

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Mas o que fode tudo é que quem deveria ser crítico o suficiente para fazer esse músico melhorar sempre em sua composição, tá aí, dando tapinha nas costas dele e dizendo “maneiro, depois quero sacar seu som”. Depois não, parceiro, AGORA! Meu disco tá aqui ó, no bolso. Toma! “Depois eu vou sacar, valeu!”.

Se o rostinho desfigurado ecoa a falta de qualidade – e, infelizmente, é ele que vai curtir os shows –, talvez precisemos ouvir mais suas críticas silenciosas e indiferentes. Tá na hora de colocarmos a mão na consciência dos violões e questionar: a minha música é realmente o melhor que eu posso fazer? Será que posso ir além?

Precisamos não mais dar os tapinhas nas costas no Encontro de Compositores. Precisamos olhar no olho do cara que acabou de descer do palco, ainda tremendo, depois de apresentar seu rock, seu reggae, seu folk, seu f*da-se e dizer: “cara, achei isso, isso e isso” – que, verdade seja dita, são poucos os que aguentariam ouvir sem balançar a parede do narcisismo. Mas não: “f*da, hein!” ou “parabéns, curti seu som”. Essas são as camuflagens do tapinha nas costas. Afinal, o Encontro é de todos, mas, de certa forma, o rock ainda está meio Walking Dead nas jangadas de uma suposta virtuose autoral.

Mas não divaguemos. Músicos de JF: não sois songbooks; não sois rebanho de técnicas; compositores é que sois! Já somos obrigados a conviver com os tapinhas nas costas dos mascarados carne-moída-com-papelão. Não precisamos virar os tapadores – tapistas? Tapantes? Tapadores?

Então vamos arregaçar as mangas e parar de achar que a nossa composição é magistral para meia dúzia de pessoas aplaudirem e vamos começar a ouvir o público. O público, meu respeitável músico: é ele quem vai no seu show. É ele que você deve convencer a não deixar seu CD empoeirar na estante. Não vamos nos deixar cair no pedantismo de que a massa é burra e inculta.

Daí até os “depois eu saco”, é uma long and winding road, mas que leva apenas do carro à porta de casa. Mas, pra conquistar o crush, não adianta fazer pose de marajá depois do beijo; é preciso abrir a porta do carro e levá-la (o) até o portão de casa. Precisamos galantear. E ninguém gosta de um falso-humilde.

Ou você também quer levar um tapinha nas costas dela (e)?

Beetlejuice, Beetlejuice, Beetlejuice!

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