PESQUISA: Amazônia pode entrar em colapso em 2050.

Cidadania Sustentavel - Por José Roberto Abramo

16/02/2024

Artigo para DW de Nádia Pontes (Repórter especializado em meio ambiente e ciência)

Alerta feito em estudo liderado por cientistas brasileiros estampado capa da revista “Nature”. Estresse hídrico resultado de causas sobrepostas, precipitação, manipulação irreversível da floresta.

Até 2050, quase metade da Floresta Amazônica pode entrar num processo de colapso sem chance de recuperação. O motivo da catástrofe vai muito além do desmatamento : o aumento das temperaturas, secas extremas e incêndios causam um estresse sem precedentes na maior floresta tropical do mundo .

O alerta está estampado na capa da renomada revista Nature e vem de um estudo liderado por cientistas brasileiros. A pesquisa, publicada nesta quarta-feira (14/02), estima que, nos próximos 25 anos, de 10% a 47% da Amazônia serão tão impactados que a floresta pode atingir o chamado “ponto de não retorno” , ou ” tipping ” ponto ” – quando ela perde a capacidade de se recuperar em sua totalidade.

“Nosso estudo mostra que, por causa desses distúrbios sobrepostos, parcela de até 47% da Amazônia pode sofrer uma mudança abrupta. A floresta tropical entra num processo de transição para um estado de crescimento diferente”, diz à DW Bernardo Flores, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), primeiro autor do estudo.

Mesmo que os distúrbios considerados na pesquisa – aquecimento global , volume de chuvas anuais, intensidade da sazonalidade das chuvas, duração da estação seca e desmatamento – afetem 10% da floresta existente, o cenário seria devastador.

“Se somarmos isso aos 15% de vegetação nativa que já foi perdido, chegaríamos a um total de 25% de destruição. Ou seja, ultrapassaríamos a cota estimada lá atrás pelos estudos de Carlos Nobre , que previa que o ponto de não retorno seria alcançado com 20% de manipulação da Amazônia ”, ressalta Flores.

Os impactos vão além da perda irreversível de biodiversidade . Na Amazônia brasileira vive cerca de 25 milhões de pessoas, incluindo povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. A perda da floresta traria um impacto direto nos meios de subsistência, modos de vida, conhecimentos e tradicionais que esses ambientes acumularam em equilíbrio com a natureza.

É tudo em torno da água

A pujança da Floresta Amazônica tem tudo a ver com a oferta de água. Toda a umidade que chega à região vinda do Oceano Atlântico é aproveitada ao máximo: as árvores reciclam com muita eficiência a chuva que cai ali.

Dentre tantos papéis, o de bombear a água para a atmosfera é vital para outros estados do Brasil, já que a umidade “viaja” pelos chamados “rios voadores” e abastece com água zonas importantes para a economia, principalmente para o agronegócio.

Quando a Amazônia perde vegetação, ela passa a produzir menos chuva – e menos chuva significa mais seca, mais estresse, mais perda de floresta. É esta conexão entre a floresta e a chuva que a saúde da Amazônia é altamente dependente.

“A floresta produz chuva, e a chuva mantém a floresta resiliente. Se você enfraquecer esse feedback , ou círculo virtuoso, a floresta fica menos resiliente a outros distúrbios e com mais chance de morrer, ou de mudar. É como se ela se reorganizasse rumo ao colapso”, afirma Flores.

Neste contexto de distúrbios, o estudo focou em cinco fatores que provocam estresse hídrico e localizam quais seriam seus limites. Os resultados mostram que um aumento na temperatura média global acima de 1,5º C , volume de chuvas abaixo de 1.800 mm, duração da estação seca superior a cinco meses e desmatamento superior a 10% da cobertura original da floresta, somada à falta de restauração de pelo menos 5% do bioma, seriam os limiares seguros para evitar o ponto de inflexão .

“Outra inovação deste trabalho é que a gente consegue indicar onde estão as áreas que podem sofrer o ponto de não retorno. O pior de tudo é que essa região está no arco do desmatamento , onde a situação é mais grave porque a floresta é mais sensível por, há décadas, ser forçado no limite”, diz à DW Natália Nascimento, única autora da Amazônia, pesquisadora ligada ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

As áreas com alta probabilidade estão no norte do Mato Grosso e em Rondônia . A região central do estado do Amazonas também merece muita atenção, alerta Nascimento.

O temido ponto de não retornar

Há 30 anos, o climatologista brasileiro Carlos Nobre e o americano Thomas Lovejoy foram os primeiros a calcular o quanto de desmatamento a Amazônia suportaria sem perder sua capacidade de se regenerar. À época, a estimativa era de que se o corte das árvores chegasse a 40%, o centro, o sul e o leste da Amazônia tivessem menos chuvas e uma estação seca mais longa – o que levaria ao ponto de não retorno ou ponto de inflexão .

Anos depois, com apoio de mais tecnologia, eles revisaram esse número e chegaram a uma nova estimativa em 2018: se 20-25% da floresta tropical para corte, o temido ponto crítico pode ser alcançado.

“Houve sem dúvida um grande avanço no entendimento dos riscos do ponto de inflexão . Eu comecei estas pesquisas, e a publicação dos dois primeiros artigos científicos foi em 1990 e 1991. Era um estudo olhando para o risco do alto desmatamento”, afirma à DW Nobre, que também assina o artigo recente da Nature .

Segundo Flores, uma nova pesquisa que ganhou destaque na revista, que teve apoio do Instituto Serrapilheira, inovou ao combinar informações de modelos teóricos, dados empíricos encontrados em diferentes regiões da Amazônia, observações de satélite e dados sobre a dinâmica de centenas de anos atrás da vegetação por meio da paleoecologia.

Resiliência florestal começa a declinar nos anos 2000

Os registros do passado deixados na vegetação mostram que a floresta tem reinado na Amazônia pelos últimos 65 milhões de anos. A resiliência do urbanismo começou a entrar em xeque no começo dos anos 2000, aponta observações feitas via satélite.

Com o desmatamento em cerca de 15% da área original e o aumento médio da temperatura global em 1,5° C registrado em 2023 em comparação com a média pré-Revolução Industrial, a preocupação dos cientistas é grande.

“A continuação do aquecimento global que induz secas severas na Amazônia, como as de 2005, 2010, 2015-16 e a seca recorde de 2023-24, é um elemento-chave do ponto de flexão. Isso está sinergicamente associado ao desmatamento em grande escala ”, comenta Nobre, citando as regiões leste e sul da Amazônia, cobertas por pastagens degradadas.

Novo termo para “savanização” da Amazônia

Maior bioma do país, a Amazônia é abrigo para mais de 10% da biodiversidade terrestre do planeta. Só de plantas, são cerca de 15 mil espécies. Dados de campo mostram que em um hectare pode haver 300 espécies de árvores, segundo Flores.

Quando Nobre iniciou os estudos sobre o ponto de inflexão da floresta, o termo “savanização” da Amazônia foi adotado para indicar que a mata densa sumiria e daria lugar a uma vegetação mais pobre. Com o avanço dos estudos, os cientistas sabem abolir esse termo.

“É importante não usar mais ‘savanização’ na Amazônia. Grande parte da mudança deve gerar ecossistemas degradados, e não se pode chamar isso de savana. As pessoas que trabalham com savanas ficam incomodadas. ”, sugere Flores, lembrando que a savana mais biodiversa do mundo também está no Brasil, o bioma Cerrado .

Carlos Nobre concorda. “Eu criei o termo há cerca de 30 anos, mas as savanas tropicais ao sul e ao norte da Floresta Amazônica são muito ricas em biodiversidade e grande quantidade de armazenamento de carbono”, afirma.

Os novos ecossistemas degradados, que dominarão o cenário caso o ponto de inflexão seja atingido, terão pouca cobertura de copas de árvores, baixa biodiversidade e pouco armazenamento de carbono, indica o estudo da Nature .

*Nadia Pontes DW

A preservação do meio ambiente e os avanços trazidos pela ciência são o que move o trabalho de Nádia.

A paixão de Nádia Pontes pelo tema meio ambiente surgiu em 2008, durante a produção de um documentário internacional para a Rede Vanguarda, afiliada da Rede Globo. Terra: Vida ou morte  ganhou prêmios e mudou, para sempre, a trajetória profissional do jovem jornalista.

Formada pela Unesp, trabalhou na redação da DW Brasil, em Bonn, Alemanha, de 2010 a 2014. Durante esse período, ajudou a conceber e foi apresentadora do programa Futurando. Desde que retornou ao Brasil, obteve um mestrado em Ciências Ambientais pela Universidade de São Paulo (USP) e atua como correspondente da DW Brasil.

Entre suas coberturas de destaque estão reportagens in loco sobre as queimadas e o desmatamento na Amazônia e sobre questões indígenas. Pela cobertura em ciência e meio ambiente na DW, ganhou, em 2017, o prêmio Berlin Science Communication Awards, concedido pela Universidade Humboldt de Berlim.

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