Reflexão para os tempos de (quase) guerra e morte

Crônicas - Por Vai Ali

25/05/2017

O título desta matéria serve como convite para o leitor buscar o artigo homônimo de Freud, um dos textos mais inspiradores que li do psicanalista – juntamente com Por que a Guerra? E Sobre a Transitoriedade. Outros dois convites feitos.

Não escrevi sobre Belchior, que dói até hoje, e esta coluna não é sobre Chris Cornell. É uma reflexão sobre a fragilidade da nossa vida, da nossa percepção do mundo. Então, meu bom leitor (dos 5 que ainda me restam), se você estiver em um bom dia, volte aqui daqui uns 3 ou 4 dias, ok? Eu não vou sair daqui. Pelo menos não este texto, caso algo aconteça comigo nessa imprevisibilidade que é a vida.

Que tempo é esse que nós vivemos? E qual é o tempo que vivemos internamente? Eu não culpo a crise, não culpo o Lula, o Temer, Aécio, Hitler, Átila, Brutus ou Freud. Mas me parece, do auge da minha nostalgia, que por pior que fossem as coisas nos anos 90, havia uma certa ingenuidade conformante no ar. Havia ainda uma utopia – talvez uma distopia – de um futuro cintilante. Pode ser por eu ter sido pré-adolescente à época, período que nos sentimos imortais, intocáveis, insaciáveis pelos nossos sonhos cotidianos. Vejo essa sensação se proliferar em uns indivíduos de 40 anos ainda, mais perto da foice que nós.

Foi-se… entre o foi-se e a foice, vivemos nos dias atuais na iminência de guerras nucleares e mortes sem sentido. Talvez cortejamos a era do vazio: do vazio de significação, de significantes, onde signos e debates vãos nas redes sociais guiam nossas reflexões pra um brejo emoldurado na eternidade da desistência. Ou são usados contra aqueles que ainda carregam uma utopia em seus corações num show para adolescentes. Quanta selvageria… e o horizonte das barbáries, entre homens-bombas nucleares e rosas de Hiroshima cotidianas se torna cada vez mais apocalíptico.

O que precisamos fazer, falar ou pensar pra tornar a vida nos tempos atuais mais suportável?

A cada ídolo pessoa que se vai, por morte morrida ou morte matada fora do tempo, fora da “narrativa prevista” e do tempo lógico que encaramos como “pronto para morrer”, algo dentro de nós de renova. Mas está cada mais se renovando de forma cínica e desgastada, como quem chega ao final de um rolo de papel-toalha e ainda tem aquela última folha que fica agarrada naquele negocinho do meio que eu não sei o nome.

Mas, mesmo assim, o nosso narcisismo impera. Bem provável que como defesa, como um muro que erguemos pra termos a falsa sensação da impenetrabilidade do que nos é externo, como uma criança assustada no colo de sua mãe sem saber por onde o monstro adentrará no quarto. Vejo pessoas fazendo movimentos verbais de namastê e positividade agindo como se continuassem na bolha ilusória dos “tempos melhores virão”. Mas estas mesmas pessoas, quando se trata de “garantir o delas”, estão “garantindo os seus” e que se explodam os outros – infelizmente literalmente às vezes. Mas continuam falando que se importam com os de fora. Puro cinismo narcísico pra você tentar se convencer no espelho que é mais virtuoso do que é. Se assim fosse, estaríamos na lama?

(Em um parêntese, é irionico ver como o símbolo de “tempos melhores” advindo da cultura oriental é o mesmo que o que significou o Holocausto. Procuram sobre a suástica).

Há dias em que pensamos que as coisas vão dar certo, outros que pensamos que nada vai funcionar. Mas estamos em um tempo que parece que nada vai ficar do jeito que sonhávamos. Por isso eu digo: faça o melhor pro que pra quem está ao seu redor. Amplie só um pouquinho o raio de ação do prazer pra, sei lá, uns 3 ou 4 metros. É desgastante pensar que vamos mudar algo em larga escala assim, de repente. A massa é mais forte unida, mas é mais lenta também. Mas, sozinho, infle essa bolha só mais um pouquinho, tipo aqueles jogos de computador que tem um raio em torno do personagem pra iluminar a tela, manja?

Daí toma um vinho com um amigo, compartilhe uma música com teus crushes REAIS, manda um beijo aleatório pra sua mãe, fale do futebol de ontem com seu pai; adicione sua professora do primário no Facebook; faça um bom jantar pra ti sozinho; poste um vídeo de um filhote de chachorro correndo na grama; assista a um vídeo de um gatinho falhando ao pular de um sofá pro outro; toma um café forte no fim de tarde frio; compre comidas saudáveis e artesanais; valorize a terra; mas coma um torresmo pingando de gordura também; tome um porre, faça uma cagada na balada; tenha ressaca moral; leia Freud, leia Foulcault, leia gibi, leia bula, leia Kardec, leia a Veja – sim, é preciso ler a Veja. E a Carta Capital. E, se puder, criticar as hipocrisias das duas, não apenas da que aparenta ser a mais tendenciosa. É preciso saber que os lados do muro tem seus motivos pra cultivar a barreira.

Enfim: sê.

Simplesmente seja. O quê? Não importa: a sua existência já é algo, você não precisa de categorias.

Amanhã você pode ser um sex symbol bem dos mais bem sucedidos no mundo na música, adorado por milhões e isso não será o suficiente pra tirar o nó na garganta que sentimos quando ficamos sozinhos com nossos pensamentos. E pra tirar esse nó de dentro, só um nó de fora parece dar conta.
Você não sabe se amanhã estará sem saída.

Então seja algo além das categorias que pensas.

E põe o quanto és no mínimo que fazes, fazendo o máximo que podes.

E Dylan, brother, os tempos estão mudando sim, só que parece que pra muito pior.

Por ora, be yourself is all that you can do.

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