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Consumo em tempos de Black Friday

“Tentamos achar nas coisas, que por isso nos são preciosas, o reflexo que nossa alma projetou sobre elas.” (Marcel Proust)

A palavra Black Friday (em português – Sexta Feira negra), nada tem a ver com o seu significado literal, ou o que se poderia intuir. É uma Sexta de lucros para os lojistas. Época de faturamento, o início da era de “compras” para o Natal. Ou, ainda, a ideia de promoções para alavancar as vendas.

Originária na América do Norte, foi importada por outros países e chegou ao Brasil. Procurando na internet sabe-se que acontece sempre uma sexta feira depois do dia de Ação de Graças (4ª quinta feira de Novembro, de acordo com as tradições norte-americanas). Para nós pouca diferença faz, não é mesmo?

Por aqui adotamos o termo e seu conteúdo de negócios, e assim temos um dia de consumo, com suas variantes, alguns dizem que os preços sobem para depois descer na Black Friday, mas o fato é que você pode esperar promoções sim. Existe até uma cartilha para impedir fraudes. O pessoal está ai para realizar seus fetiches e comprar o que precisa e o que não precisa. Será?

Você compra o que não precisa?

Mas e se você precisa comprar, não para realizar um sonho ou para dar conta de um gosto?, E se for a necessidade de presentear, ou simplesmente por que quer comprar algo novo sem o sentimento de culpa de que não foi em uma promoção? Mas e se você sem compulsão (e, portanto, sem problemas psicológicos), vai comprar apenas porque precisa preencher algo na sua vida? Tem uma frase meio clichê que vai dizer: “Você coloca seu tesouro onde coloca seu coração”. Clichê puro, mas e dai? Sabe-se lá onde está o tesouro de alguém? Se o seu coração precisa se adornar no consumo, talvez você seja vazio, perdido, sem referências, fútil, etc, mas isto também é clichê.

Algumas pessoas muito inteligentes, de alma profunda, ocupadas da boa convivência, altruístas, solícitas, competentes nas análises do mundo, sua geopolítica, os componentes psicológicos das ações que podem traduzir manias e incorreções de personalidade, algumas de personalidade impar, também tem manias de consumo.

Acho que consumir é navegar em oceanos de oportunidades.

Eu consumo livros, suas texturas, seus odores de papel pintado, sua tinta, sua arte, o nome de seus autores, seus mistérios, suas loucuras, suas verdades, e principalmente, suas costuras secretas. Consumo música. Alguém já fez algo inimaginável que fez meu coração feliz? Sim muitos. Eu até procuro não saber muito da humanidade do músico porque quero descobrir que ele é criativo, iluminado, que consegue beber da seiva divina, que consegue traduzir os mistério dos céus, em sons, ou com sensualidade, manchar a virgindade de alguns mistérios intransponíveis, na sua música. Mas pode ser comum e sendo assim exibir aquelas personalidades baratas, erráticas, disformes. Não isso eu não quero. Procuro o tesouro dos deuses. Quero algo diferente que antes de mim o coração dance.

Mas também procuro roupas. Sim, as mesmas que as pessoas por demais consumistas procuram. Aquelas que possam mitigar minha feiura, ou aquela que sempre ouso achar em mim. 

Às vezes saio na rua e consumo algo totalmente desnecessário e barato, pelo simples prazer de achar que alguém vendeu algo que produziu.

Outras vezes consumo algo totalmente belo artístico, e que vai enfeitar um canto por onde não passo sempre.

Alguém precisa comprar o que eu produzo. E o que eu produzo? O mais das vezes ideias. Ninguém compra minhas ideias. E eu invisto muito para tê-las. Não é um desperdício?

Certa vez comprei algo que era uma ideia genial para um fim que não lembro e me ajudou a calçar sapatos sem desamarrar. Gente doida esta do consumo, né?

Eu sei que deveria estar aqui falando mal do consumo. Eu sei que somos uma sociedade perdulária com as matérias primas e que compramos o que logo acaba, como meninos mimados e depois jogamos fora. Eu sei que muitos se endividam para ter coisas e se comparar com outros. Mas sei também que quem não tem salário para se sentir um consumidor, se sente fora do grupo. Fora da trama da novela da vida.

Então resolvi falar do consumo por outro lado. O lado onírico. O lado lúdico. Brincamos com as coisas porque brincamos de viver com a vida. Não nos tire o brinquedo, nem nos tire o salário. A vida precisa de acontecer a todos. Todo mundo tem coisas para vender. Todos podem ser consumidos, mas nunca deveriam ser usados.

E quem sabe alguém consuma minhas ideias….

Vai Ali: