Porque tocam os pianos

Música - Por Vai Ali

20/06/2017

Texto: Fernanda Amaral | Fotos: Pedro Henrique Rezende

Há alguns anos, se me questionassem sobre a característica cultural mais marcante de Juiz de Fora eu não hesitaria em responder que vivemos em uma cidade eminentemente erudita. Dedução natural essa minha, afinal, é por aqui que acontece o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, temos o Conservatório Estadual de Música Haidée França Americano, o Pró-Musica, o majestoso Cine-Theatro Central, o nobre acervo do Museu Mariano Procópio. Daqui despontaram Pedro Nava, Murilo Mendes, Raquel Jardim, e ainda somos a primeira sede da Academia Mineira de Letras.

Sob esse olhar, a “Manchester Mineira” parece de fato ser “um trecho de terra cercada de pianos por todos os lados”, como disse nosso ilustre poeta Murilo Mendes. No entanto, hoje, tenho ouvido por aqui não apenas os pianos, mas muitos tambores e guitarras.

Falar em direitos culturais é, de certa maneira, dizer ao indivíduo que ele é livre para criar, produzir e usufruir do que quiser. Nesse sentido, podemos afirmar que música e cidadania estão intrinsecamente ligadas, na medida em que a liberdade de criação é absolutamente dependente da liberdade de expressão.

O processo de democratização historicamente representado pelos movimentos político-sociais refletiu na produção artística sim. Se novas culturas foram incorporadas, sem traumas, a um ambiente historicamente elitista e erudito, isso se deve em grande parte à transformação da cidade e da sociedade.

Até algumas poucas décadas, os tambores estavam restritos às religiões de matriz africana. Hoje, eles transpuseram a barreira dos pianos e chegaram ao centro, às orquestras, às composições, aos espetáculos.

Na mesma medida, mas partindo de um contexto diferente, as guitarras, antes limitadas aos ambientes undergrounds, a partir das décadas de 1970 e 1980, foram “promovidas” e agora habitam os mais variados meios musicais. Novas bandas e jovens instrumentistas talentosíssimos surgem a todo instante, e, por aqui, até o carnaval tem um bloco valvulado!

Esse processo ocorreu de uma maneira relativamente espontânea e natural, tão natural que você que está lendo isso agora, talvez nunca tenha pensado sobre o assunto. Então, pare um instante, observe o quanto de diversidade existe hoje ao seu redor, depois, converse com alguém que vive aqui há pelo menos 40 anos e depois me conte.

Se as liberdades individuais foram fundamentais nesse processo, o Poder Público também exerceu importante influência quando “permitiu” a transposição dos tambores e em muitas situações, estimulou as manifestações populares. E esse é o caminho que deve ser buscado por quem está na Gestão da Cultura: políticas e ações culturais que tenham por objetivo criar condições para que os indivíduos façam a cultura que desejam usufruir. Se gestão é escolha, deve-se estar atento e zelar pelas transformações vividas pela cidade, seguindo o fluxo contínuo de mudanças dos processos artísticos.

Nunca direi não aos pianos, eles são belos, dão o tom da cidade e possivelmente fazem uma boa trilha sonora para andar ás margens do Paraibuna ou dar uma volta no calçadão. Dos pianos vieram grandes músicos, e seu conceito clássico faz parte da formação de grande parte daqueles que hoje percorrem os bares com seus violões ou sentam nas rodas de samba por todos os lados da cidade.

Os pianos estarão sempre por aqui, ladeando nossa cidade, imprimindo à Princesa de Minas toda elegância que merece, mas hoje, ainda bem, eles não tocam sozinhos.

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