Marco Temporal: Definições, Argumentos Contra e a Favor

Crônicas - Por José Roberto Abramo

02/06/2023

Em 02/06/2023

Nesta matéria trazemos duas publicações para dar visibilidade ao tema Marco Temporal.

Em maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para o PL do Marco Temporal na demarcação de terras indígenas, o PL 490/07. O PL já está em debate desde 2007 e, desde então, gera controvérsias quanto a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

Você sabe o que o PL do Marco Temporal pretende alterar na Constituição Federal?

De modo geral, o PL do Marco Temporal determina quais terras são territórios indígenas. Nesse sentido, somente terras que estavam ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal de 88, é que pode ser considerada como território indígena. Este ponto tem gerado controvérsias entre as lideranças e juristas. Alguns dizem que o direito do indígena é natural porque ele já estava aqui. E a se concretizar a data mencionada na constituição de 88, alguns indígenas teriam sido expulsos de terras que na época da constituição estavam ocupadas pelos que os expulsaram. E isto retiraria o direito deles.

Para isso, é necessário comprovar que, na data da promulgação da Constituição, estas terras eram habitadas em caráter permanente e também eram usadas para atividades produtivas, preservação dos recursos ambientais, assim como, para reprodução física e cultural. Po que também é controverso pelo mesmo motivo acima.

Vamos então aos artigos que sem ser a última palavra nas discussões, apesar disto ventila o tema.

Começamos com o artigo da câmara dos deputados e depois entramos no artigo do Deustche Welle.

O que é marco temporal e quais são os argumentos favoráveis e contrários – Câmara dos Deputados

MEIO AMBIENTE E ENERGIA

Julgamento do STF sobre demarcação de terras indígenas foi suspenso em 2021 e será retomado em 7 de junho de 2023

29/05/2023 – 12:54  

Definição

Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.

Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal (STF).

O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil m²,  não estava ocupada em 5 de outubro de 1988.

Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá.

A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.

O Ministro do STF Nunes Marques aponta expansão ilimitada de áreas indígenas se não houver marco

Argumentos favoráveis

Em 2021, o ministro do STF Nunes Marques votou a favor do marco temporal, no caso de Santa Catarina, afirmando que, sem esse prazo, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no País.

O ministro avaliou ainda que, sem o marco temporal, a “soberania e independência nacional” estariam em risco.

Ele destacou que é preciso considerar o marco temporal em nome da segurança jurídica nacional. “Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, disse. [Esbulho é a perda de uma terra invadida.]

Segundo Marques, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial.

Marques citou que a Constituição deu prazo de cinco anos para que a União efetuasse a demarcação das terras. Para ele, essa norma demonstra a intenção de estabelecer um marco temporal preciso para definir as áreas indígenas.

O ministro também entende que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina requerida pela Funai é indevida, por se sobrepor a uma área de proteção ambiental.

Para Fachin, direito dos indígenas à terra é originário, anterior ao próprio Estado

Argumentos contrários

Representantes dos povos indígenas afirmam que o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e de florestas.

Afirmam também que trará o caos jurídico ao País e muitos conflitos em áreas já pacificadas, por provocar a revisão de reservas já demarcadas.

O ministro Edson Fachin é o relator do caso e foi o primeiro a votar. Ele foi contrário ao marco temporal.

Para ele, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.

O ministro também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.

Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório.

Da Redação – WS

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Deustche Welle

LEIS E JUSTIÇABRASIL

Entenda a tese do marco temporal das terras indígenas

30/05/202330 de maio de 2023

Projeto de lei que cria novas regras sobre a demarcação de terras pode ser votado na Câmara dos Deputados às vésperas de análise do tema pelo STF.

O plenário da Câmara dos Deputados deve voltar a analisar nesta terça-feira (30/05) o Projeto de Lei (PL) 490/2007, sobre o chamado marco temporal, que cria novas regras para a demarcação de terras indígenas.

De acordo com a proposta, no futuro poderiam ser demarcadas apenas terras indígenas que estivessem tradicionalmente ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O texto também retira a demarcação de terras da alçada da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e devolve a atribuição ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A matéria está em tramitação na Câmara desde 2007, mas teve sua análise acelerada após aprovação de um requerimento de urgência no último dia 24 de maio. Segundo críticos da proposta, o objetivo seria tentar influenciar o Supremo Tribunal Federal (STF), que voltará a analisar na próxima semana, em 7 de julho, um caso relacionado ao marco temporal.

O que diz o PL

A proposta estabelece que, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, é preciso comprovar “objetivamente” que elas, na data de promulgação da Constituição, eram habitadas em caráter permanente e usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

O texto prevê, ainda, entre outros pontos, a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas, e que os processos administrativos que ainda não tenham sido concluídos sejam adequados à nova regra.

De acordo com a Constituição Federal, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” A Constituição, no entanto, não determina nenhuma data como marco temporal.

Os ruralistas, favoráveis à aprovação do PL, argumentam que o marco temporal daria maior segurança jurídica contra desapropriações de suas propriedades e para o agronegócio.

Argumentos contra o PL

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que a adoção do marco temporal limitaria o acesso dos indígenas ao seu direito originário sobre suas terras e que há casos de povos que foram expulsos delas algumas décadas antes da entrada em vigor da Constituição.

“O direito de povos indígenas a seus territórios não começa e nem termina em uma data arbitrária”, justifica Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch no Brasil. “Aprovar esse projeto de lei seria um retrocesso inconcebível, violaria os direitos humanos e sinalizaria que o Brasil não está honrando seu compromisso de defender aqueles que comprovadamente melhor protegem nossas florestas”.

Mulheres indígenas com cocares e vestimentas tradicionais. Ela usam máscara de proteçãoMulheres indígenas com cocares e vestimentas tradicionais. Ela usam máscara de proteção

Na avaliação do Ministério dos Povos Indígenas, o texto pode “inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios já homologados e destituir direitos constitucionais, configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”.

Em audiência na Câmara dos Deputados, a assessora jurídica do Conselho do Povo Terena, Priscila Terena, disse que, caso o PL entre em vigor, impactará 156 terras, oito etnias e mais de 80 mil indígenas. “A aprovação é a declaração do nosso extermínio e o início da institucionalização do nosso genocídio”, afirmou.

A presidente da Comissão da Amazônia e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), destacou que a proposta facilitaria, entre outros pontos, a grilagem de terras ao permitir obras – como construção de rodovias e hidrelétricas – sem consulta aos indígenas. 

Os protestos contra o marco temporal também reverberam no exterior. Em abril do ano passado, um grupo de 29 parlamentares alemães enviou uma carta aberta aos membros do Congresso brasileiro expressando preocupação com o PL 490/2007.

A opinião do relator

Para o relator da proposta, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), o texto busca “deixar claro que os indígenas devem ser respeitados em suas especificidades socioculturais, sem que isso sirva de impedimento ao exercício de seus outros direitos fundamentais”.

“Dessa forma, enxergando os indígenas como cidadãos brasileiros que são, pretendemos conceder-lhes as condições jurídicas para que, querendo, tenham diferentes graus de interação com o restante da sociedade, exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas”, afirma o deputado.

Os argumentos da Defensoria

A Defensoria Pública da União (DPU) apontou a necessidade de rejeição integral do projeto de lei na demarcação de terras indígenas. A recomendação foi encaminhada pelo defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Junior, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Segundo o documento, a Constituição não pode ser utilizada como referência para a ocupação indígena, que tem parâmetros diferentes dos requisitos da posse do direito civil.

“O que se sabe é que o território – quando transformado em terra – é o espaço físico necessário para que determinada sociedade indígena desenvolva suas relações sociais, políticas e econômicas, segundo suas próprias bases culturais. É o elo subjetivo dos povos indígenas com seu território tradicional que permite serem quem eles são e, dessa feita, o espaço tem verdadeiro valor para assegurar a sobrevivência física e cultural, sendo por isso de vital importância para a execução dos seus direitos fundamentais”, ressalta o documento.

Julgamento no STF

O STF começou a analisar em 2021 uma ação que envolve o marco temporal e deve retomar o julgamento no dia 7 de junho. O processo trata sobre a disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani. O processo tem repercussão geral, o que significa que a decisão servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes, segundo o STF.

O plenário da Corte deverá decidir se as demarcações de terras indígenas devem seguir o critério do marco temporal. O estado de Santa Catarina argumenta que na data de promulgação da Constituição não havia ocupação na área. Por outro lado, indígenas argumentam que, naquela ocasião, haviam sido expulsos do local.

O procurador-geral do Estado de Santa Catarina, Márcio Vicari, defende o marco temporal e diz que a realidade de Santa Catarina é diferente da de outras unidades federativas. “Há localidades em que a demarcação envolve um latifúndio de um único proprietário, mas, no nosso estado, isso impacta na realidade de centenas de famílias, muitas delas de produtores rurais”, afirmou, em audiência na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).

Na época do início do julgamento do STF em 2021, cerca de 6 mil indígenas de 170 povos acamparam em Brasília, em uma área da Esplanada dos Ministérios, para protestar por seus direitos e contra o marco temporal.

A origem da questão

Toda a questão teve origem em 2009, quando um conflito entre indígenas e agricultores em Roraima chegou ao STF. Para resolver a disputa sobre a quem pertenceria de direito a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, os ministros argumentaram em favor do povo indígena — alegando que eles lá estavam quando foi promulgada a Constituição.

Se naquele caso a tese era favorável aos povos originários, o precedente ficou aberto para a argumentação em contrário: ou seja, que indígenas não pudessem reivindicar como suas as terras que não estivessem ocupando em 1988.

Em 2017, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu um parecer de que seria pertinente a tese do marco temporal. Como resultado, há dezenas de processos de demarcação de terra emperrados, à espera de uma definição do STF. Entre eles, o caso dos indígenas Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina, que voltará a julgamento na semana que vem.

Historicamente perseguidos pelos colonizadores, os remanescentes da etnia acabaram afastados de suas terras originais na primeira metade do século 20. Em 1996, contudo, conseguiram a demarcação de 15 mil hectares — que depois se expandiria, em 2003, para 37 mil hectares. Com o argumento do marco temporal, agora a área é reivindicada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina.

O projeto neste momento chegou ao Senado onde vai tramitar como PL 2.903/2023. A matéria tem despertado debates entre os senadores. Os críticos apontam que, da forma como foi aprovado na Câmara, o projeto pode comprometer processos de demarcação que já estão em andamento, além de colocar em risco outras áreas demarcadas depois de 1988 — que poderiam ser questionadas na Justiça. (Fonte: Agência Senado)

Em sessão marcada para quarta-feira (7/6/2023), o STF pode votar uma ação sobre o tema, definindo se a promulgação da Constituição pode servir como marco temporal para essa finalidade. (Fonte: Agência Senado)

Espero o que estes artigos possam ter jogado luz sobre o tema do Marco Temporal. Ficamos por aqui e voltaremos ao tema no futuro acompanhando o desenrolar das discussões e as decisões.

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