Uma Análise sobre o “Brasil, o País do Futuro”, quando isto se mundializa

Crônicas - Por José Roberto Abramo

05/06/2023

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O Filósofo Paulo Arantes, aponta que, no neoliberalismo, mundo tornou-se um grande Brasil – universalizou-se a ordem social brutalmente racializada e desigual que nos era peculiar.

Paulo Eduardo Arantes nasceu em São Paulo em 1942. Ele é um filósofo e pensador marxista brasileiro e Professor Sênior do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Entre muitas publicações, escreveu A Fratura brasileira do mundo. Publicado em coletâneas no início do século XXI, “A fratura brasileira do mundo” ganha agora uma edição própria. Neste ensaio, Paulo Arantes volta ao passado do futuro brasileiro, isto é, a um tema recorrente na inteligência nacional, uma espécie de mitologia compensatória do conjunto de acasos históricos que prometiam ao Brasil um futuro grandioso. Porém, nesta publicação especificamente, Paulo Arantes revê a ideia multiforme segundo a qual o Brasil criaria uma civilização moderna com características próprias. Não é que não a tenha criado ou deixado de criar. O que pode ter acontecido é que a ideia do futuro foi espargida para todo mundo.

Introdução do livro

Em Julho de 2021, Jeff Bezos, tripulou sua nave particular para uma viagem turística em torno da Terra. Em plena pandemia o bilionário traz um significado mórbido nesta ação, porque reflete que as elites estavam descoladas das massas que povoam o planeta. Já que estas, em casa, ou soltas, correndo risco, atrás de sua sobrevivência. Outros em home office, precários com medo do amanhã, se defrontavam com o bilionário feliz flutuando no espaço. E distante. Muito mais do que a distância real permite traduzir.

O sociólogo Michael Lind, já havia, anos antes alertado para a brazilianização dos EUA, tendência que mostrava “a maioria dos brancos no topo, enquanto a maioria dos americanos (estadunidenses) negros e mulatos ficaria na base larga da pirâmide. E, o que é pior, para sempre.

O economista brasileiro Celso Furtado em seu livro “Brasil: A Construção Interrompida”(1992), quando a globalização já era imposta por toda parte, advertia que ‘Tudo aponta para a inviabilização do país como projeto nacional’. E segue este raciocínio acrescentando: ‘Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano’. Paulo Arantes diz que conta sim, mas não no sentido de construir, mas muito ao contrário disto.

Celso Furtado

Roberto Schwartz, crítico literário e professor aposentado de Teoria Literária brasileira, nascido em Viena, em 1938, mas forjado posteriormente como intelectual brasileiro porque passa a viver no Brasil, diz-nos que a crise procede da periferia para o centro, ou seja, começou pelo Terceiro Mundo. Passou pelos países socialistas e agora chegou a regiões e bairros inteiros nos países ricos.

O ponto central da crítica do livro que Paulo Arantes nos diz é que “Um dos mitos fundadores de uma nacionalidade periférica como o Brasil é do encontro marcado com o futuro. Tudo se passa como se desde sempre a história corresse a nosso favor. Um país, por assim dizer, condenado a dar certo. O Futuro não só viria ao nosso encontro, mas com passos de gigante, queimando etapas, pois entre nós até o atraso seria uma vantagem”.

Mas, nos últimos anos todos os indícios mostram que tudo não passou de uma grande ilusão. E nós fomos guindados a uma espécie de paradigma, algo como uma categoria sociológica para o buraco negro da globalização. Conceito que passou a ser empregado por estudiosos americanos e europeus para se referirem a seus próprios países, crescentemente às voltas com o abismo entre elites globalizadas e massas inempregáveis.

Agora passamos a apreciação de Guilherme Arruda do OUTRAS PALAVRAS.

Guilherme Arruda

Guilherme Arruda é redator do projeto Outros Quinhentos. Historiador pela Universidade de São Paulo (USP). No jornalismo, já colaborou com veículos como Carta Maior e Vermelho. Na pesquisa, estuda a formação das nações latino-americanas no século XIX. Na educação, constrói a Escola Nacional Eliana Silva, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

Sua Crônica:

Os países centrais não parecem mais conseguir se livrar das múltiplas crises em que se meteram desde 2008. Com isso, vem ganhando força a imagem de um Primeiro Mundo que cada vez mais se espelha na autoritária, desigual e racista estrutura social do… Brasil. A mundialização da forma brasileira de explorar e oprimir. Mais recentemente, essa imagem apareceu em ensaios como The Brazilianization of the World, publicado por Alex Hochuli (dono, por sinal, do ótimo podcast Aufhebunga Bunga) na American Affairs e comentado até pela grande mídia nacional. Apareceu também em um meme bastante replicado por aí.

A origem dessa ideia, porém, é um pouco anterior. Sua aparição mais instigante na crítica nacional aconteceu em A fratura brasileira do mundo – visões do laboratório brasileiro da mundialização, ensaio de Paulo Arantes agora relançado pela Editora 34. Publicado originalmente em 2001, em coletânea organizada por nosso colaborador José Luís Fiori, o texto retorna agora em edição própria, com posfácio do professor de filosofia da UFRJ Marildo Menegat.

Operando nas disjuntivas exploradas por Roberto Schwarz em seus escritos sobre a formação nacional e antes ainda por outros autores, o professor de Filosofia da USP observa: durante todo o século XX, a consigna “Brasil, país do futuro” hegemonizou nosso imaginário político, se orientando por noções de desenvolvimento, prosperidade e bem-estar que inevitavelmente chegariam até o nosso berço esplêndido por razões assentadas em umas ou outras características de nossa sociedade. Da direita à esquerda, de Gilberto Freyre a Celso Furtado, encontram-se traços dessa esperança no devir nacional.

Ironicamente, o futuro era mesmo da pátria, mas em outro sentido. O mundo é que acabou por “tornar-se um imenso Brasil”, para parafrasear Ruy Guerra e Chico Buarque. Ou, pelo menos, é esta a interpretação de cada vez mais intelectuais e acadêmicos. Arantes mapeia os caminhos dessa tese, que dos anos 90 em diante (não por coincidência, tempo da vitória “final” do neoliberalismo sobre o socialismo e outros projetos alternativos de sociedade) vai ganhando cada vez mais audiência.

A partir do advento da era neoliberal, Edward Luttwak, Michael Lind, Christopher Lasch e Richard Rorty e vários outros começaram a notar os sinais: uma elite inculta e sem projeto estratégico, que paulatinamente se isola do resto da sociedade; a míngua das classes médias, cada vez menos numerosas e mais inseguras de sua posição social; a crescente massa, majoritariamente não-branca, que vive em amarga pobreza; a imobilidade social, que cruza critérios de raça e classe, sustentada por extrema violência. Os rasgos de Brasil chegavam ao centro do Ocidente. A maior parte dos adeptos da tese da brasilianização provinha dos Estados Unidos, já à época mais afetado que a Europa pelo fenômeno – principalmente desde Reagan –, ainda que europeus como Ulrich Beck também tenham se servido da ideia.

Se um segmento do pensamento modernizante entendia o Brasil como um país atrasado, aqui já se percebe que o Brasil está mesmo bem adiante. Sua formação econômico-social precedeu as sendas que todas as nações viriam a trilhar séculos depois. Arantes recorre às pertinentes observações de Caio Prado Júnior sobre o sentido da colonização. Nem feudal nem semifeudal, o Brasil Colônia é um exemplo precoce de sociedade cuja lógica de funcionamento é inteiramente voltada para o mercado mundial. O capitalismo nasceu aqui, na terra das ideias fora do lugar, dos argumentos liberais de intelectuais-senhores-de-engenho em favor da manutenção de milhões na condição de escravos, e esta face do sistema agora se espalha por todos os continentes.

Empilhando contradições, o fenômeno de abrasileiramento (e, portanto, aprofundamento das desigualdades) da estrutura social do mundo veio na mochila de uma reorganização sistêmica que prometia riqueza para todos. A grande falsa promessa do neoliberalismo foi a “primeiro-mundização” dos pobres e subdesenvolvidos de todas as regiões do planeta.

Como ficam agora os italianos, que de Silvio Berlusconi em diante foram de mal a pior? E os estadunidenses, que, não achando Reagan o bastante, elegeram Trump? E os demais pujantes e fortes Estados-símbolo da superioridade ocidental, todos cada vez mais economicamente estagnados, desindustrializados, com o tecido social esgarçado e presos em modelos políticos comprometidos até a medula com o privilégio dos poucos ricos e a submissão dos muitos pobres? Vendo daqui do laboratório desta mundialização cruel, os problemas que eles enfrentam no Norte parecem, em certa medida, bem reconhecíveis.

Link para a matéria original de Guilherme Arruda:

[https://outraspalavras.net/blog/paulo-arantes-e-a-brasilianizacao-do-mundo/]

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