Coronavirus – Uma dentre muitas ameaças globais?

Coronavirus – Uma dentre muitas ameaças globais?

Fala, Zé! Metas da Ciência Pesquisas em Saúde - Por José Roberto Abramo

15/04/2020

Como surgiu esta ameaça? Ela tem relação com as outras que nos afligem?

Nos países desenvolvidos, as pessoas começaram a acreditar que havíamos ultrapassado a esfera da realidade material. Sim, vivem ou alguns de nós vivemos numa espécie de virtualidade do conforto. Uma visão mágica do mundo, onde todos sabem tudo, escolas são postos do saber, universidades, a ciência pura e aplicada, e os políticos entendendo e estendendo o tapete para os povos eleitos, trabalham com a cultura e ciência para nos prover do Admirável Mundo Novo com drogas midiáticas e tudo.

Nossa realidade é blindada. Onde não existe esta certeza? Nas periferias pobres onde a realidade, a falta de saúde pública, as doenças, a miséria e a fome faz da realidade algo não virtual, e sim virtualmente fatal. Crime e castigo por nascer no lugar errado e na hora errada. Da etnia errada, do sexo errado, ou na natureza real. E o que é pior, nada ataca o nosso Ambiente, isto é ponto de posts nas mídias sociais para fazer bonito e ganhar likes.

O jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido, George Monbiot, disse que “Viver por trás de telas, passando entre cápsulas – as casas, os carros, os escritórios e os shoppings – persuadiu-nos de que as contingências haviam recuado, de que nós próprios havíamos alcançado o ponto almejado por todas as civilizações: o isolamento dos riscos naturais”.

Com a crise planetária do Coronavírus, o Covid19, a membrana se rompeu. Mas, ela rompeu no entendimento de agora diante da brutal pandemia que alterou nosso comportamento em dois meses. Mas, será que esta tragédia já não era anunciada? E, quando a epidemia passar, vamos voltar às novas bolhas e voltar a ser o povo eleito? E a tragédia se auto profetiza.

O periódico EL PAÍS, diz que “em setembro do ano passado, um relatório das Nações Unidas e do Banco Mundial alertava sobre o sério risco de uma pandemia que, além de dizimar vidas humanas, iria destruir a economia e provocar um caos social”.

A ex-primeira-ministra da Noruega e ex-diretora da OMS, Gro Harlem Brundtland, denunciou que haviam estudos alarmantes de que um surto de doença respiratória em grande escala, poderia nos levar à situação semelhante à da gripe espanhola de 1918, cujo número de mortes a 102 anos atrás, chegou no entorno de 50 milhões de pessoas, com uma população planetária no entorno de 30% da atual, ou 2,0 Bilhões de pessoas em números aproximados.

Considerando que, apesar da 1ª Guerra, e dos deslocamentos de pessoas, tropas, mortes e destruição, o mundo era menos globalizado, muito menos, e os deslocamentos mais se deviam aos esforços de guerras. Mais de 500 milhões de pessoas ao redor do mundo foram infectadas e a quantidade de mortos pode ter sido de 10%, mas pode ter sido maior porque não se tinham condições de verificação como hoje temos em escala mais confiável – basta fazer uso de tecnologias disponíveis.

Hoje, temos de considerar que o Covid19 é bem mais competente a se propagar que o Influenza da gripe espanhola. Nos termos do Influenza, se ¼ da população do planeta à época, estava infectada (500 Milhões), hoje proporcionalmente teríamos no entorno de 1,9 Bilhões de pessoas infectadas. Para manter a proporção da tragédia.

Mas o Coronavírus infecta até 2,7 pessoas para cada infectado. E há os que falam de até 3 pessoas. Enquanto na gripe espanhola esta capacidade era de 1,6 pessoas para cada infectado. E esta diferença não é pequena. Apenas por causa dela, se estima que o número de infectados, sem o isolamento social pode chegar à 60% da totalidade da população mundial, o que seria 4,5 bilhões de pessoas. Assim, se o nível de letalidade médio estimado no mundo atualmente tem sido 4, 6%, em média, poderíamos chegar à mais de 200 Milhões de mortos.

Portanto o aviso da OMS foi negligenciado pelos governos ao redor do mundo. A OMS viu que nenhum governo estava preparado para isso nem tinha implementado o Regulamento Sanitário Internacional em relação ao alerta, embora todos o tivessem aceitado. Ou, “Não surpreende que o mundo esteja tão mal prevenido diante de uma pandemia que avança rapidamente pelo ar”.

Ainda que a letalidade deste novo vírus, seja um valor inferior a 4,6%, porque não temos a contagem total de infectados para podermos saber se o número de mortes face a estes dados, daria um percentual de letalidade menor, o fato é, como diz García-Sastre, PhD, é professor de Medicina e Microbiologia, é que este “Ao contrário da gripe sazonal, em que há um número de pessoas que não são infectáveis por terem imunidade, ninguém tem imunidade contra este vírus, então ele vai infectar muito mais gente que a gripe sazonal, e por isso, mesmo se tivermos a mesma letalidade que a gripe, o número absoluto de casos será muito maior, e isso representará um desafio ao sistema hospitalar”.

Estamos no caminho de provar que, ainda que uma possível letalidade menor que 4,6% percebida agora, ela é muito maior que da gripe comum. Ou este é o inferno perfeito. Só temos o isolamento horizontal neste momento em que não há vacinas, para tentar impedir o crescimento exponencial de contagio e por conseguinte, de mortalidade.

Como fica o abastecimento diante destas ameaças?

O mundo pode estar se colapsando em termos de meio ambiente. A Agricultura, em muitas partes do mundo, está sendo afetada por secas, inundações, incêndios, gafanhotos, cujo ressurgimento parece estar ligado a ciclones anômalos. Será que teremos de testemunhar lutas por comida? A se julgar que temos todos os tipos de alertas da ciência para as modificações no clima e no meio, por causas que ainda não foram precisamente diagnosticadas, mas estas com certeza são associadas ao nosso estilo de vida de nossas sociedades.

Por causa de nossa ilusão de segurança, não estamos fazendo quase nada no nosso estilo de vida para nos precaver de alguma catástrofe, embora os sinais aí estejam. Quais de fato, as causas: da letargia e das catástrofes?

A população humana cresce. E temos tido perda de água para irrigação, erosão de solos e morte de insetos polinizadores. Podemos chegar à fome estrutural. Considerando que temos uma desigualdade monstruosa de riqueza e poder, chegaremos ao sequestro de alimentos, que sempre ocorre nestas situações de calamidade. Este sequestro sendo praticado pelos mais bem posicionados socialmente contra os menos assistidos?

Os setores ligados à produção de alimentos afirmam e usam marketing para fixar, que suas práticas são sustentáveis e nada nos ameaça. Somos, na modernidade, conscientes e calcados na ciência infalível, que na prática tem denunciado e não tem sido levada em conta.

Outros fatores também nos preocupam sobremaneira. Os antibióticos estão sendo desenvolvidos para bactérias cada vez mais resistentes. E porque isto vem acontecendo?  Uma das causas é o modo irresponsável como a forma que esses medicamentos são usados nas imensas fazendas de gado.

Se um contingente de animais é amontoado, os antibióticos são administrados antecipadamente, para prevenir que venham a eclodir doenças que de outro modo seriam inevitáveis. Aliás, não apenas para prevenir doenças, mas também para promover o crescimento. Doses baixas são indiscriminadamente adicionadas às rações. É óbvio que estamos testando a resistência das bactérias ou, alojando-as em laboratório propício para criarem resistência.

George Monbiot teme que, se os antibióticos deixarem de ser efetivos, as cirurgias vão se tornar quase impossíveis. Partos serão de novo um risco à vida das mães. Uma extração dentária ou um abscesso simples, terá risco de septicemia. As doenças infecciosas, de novo voltarão a ser ameaças fatais. Diz ele com propriedade, que não podemos mais correr o risco de ser dominados pelos que colocam o dinheiro acima de vidas. O Coronavírus aviva nossa memória de que pertencemos sim a um mundo material.

Quais teriam sido as possíveis causas do aparecimento da ameaça do Coronavírus?

Em 2017 um grupo de estudiosos e pesquisadores chineses apresentou um relatório em que assinala que na China havia um foco de aparição de novos vírus e destacou existir a probabilidade de sua transmissão aos seres humanos. Apontou que o aumento das mega fazendas de rebanhos tinha alterado o habitat dos morcegos. Além disso, diz o relatório, que a pecuária intensiva, em escala industrial, aumentou a possibilidade de contato entre fauna selvagem e animais criados para o consumo humano, disparando o risco de transmissão de doenças originadas por animais selvagens, cujos habitats são intensamente afetados pelo desmatamento.

Junto a estas constatações o Instituto de Virologia de Wuhan, a cidade na qual surgiu a atual covid-19, atestou que a cepa é 96% idêntica ao tipo de coronavírus encontrado por meio de análise genética em morcegos.

Os organismos internacionais OMS (Organização Mundial da Saúde), OIE (Organização Mundial da Saúde Animal), a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), mostraram há poucos anos seus estudos sobre o aumento do consumo de proteína animal e a intensificação de sua produção industrial como a causa principal do aparecimento e propagação de transmissão de vírus e bactérias que infectando animais selvagens ou domésticos conseguem “pular” para a espécie humana, causando doenças e mortes. Isto ocorreu com o agente infeccioso causador do Covid19.

O escritor americano especialista em ciência e natureza David Quammen, saiu a campo colhendo pareceres em entrevistas em vários locais do mundo, para a confecção de uma investigação detalhada sobre zoonoses que viraram doenças humanas, umas mais ou outras menos bem-sucedidas.

Uma das suas conclusões são de que os Morcegos parecem ser um dos principais reservatórios para vírus potencialmente terríveis ao ser humano. O coronavírus não é uma exceção. Uma das conclusões de pesquisadores como David Quammen é que as pandemias originárias de zoonoses nada mais são que um reflexo das intervenções do homem no meio ambiente. Porque querer expansão, a humanidade invade o terreno alheio — e traz problemas de lá.

Os estudos de várias partes do mundo dão conta de que a desaparição da pecuária tradicional para dar espaço aos sistemas intensivos, vem aumentando em 4% ao ano, principalmente na Ásia, África e América do Sul.

No momento atual, China e Austrália concentram o maior número de mega fazendas do mundo. Na China, o conjunto de rebanhos, bovino, suíno, e de agrupamentos de aves praticamente triplicou entre 1980 e 2010.

A China vem sendo o maior produtor pecuário do mundo com uma super exploração sendo que são milhares de animais confinados em espaços fechados. Atualmente, 56% dos rebanhos estão neste tipo de fazendas.

A atual pandemia do Covid19 escancara o papel da Economia Global na produção industrial de alimentos. A China chega a ter fazendas que são cerca de 50 vezes o tamanho das maiores da União Europeia.

As Epidemias são fruto da urbanização. Quando os seres humanos começaram a se concentrar em cidades com altas densidades populacionais, as infecções começaram a afetar grandes quantidades de pessoas ao mesmo tempo. E, claro, seus efeitos começaram a ser deletérios.

Nos últimos 50 anos a pecuária industrial vem se urbanizando. Cada animal confinado nas mega fazendas vai se tornando um laboratório de potenciais mutações virais. E isto pode gerar doenças e novas epidemias. Dependendo da mutação e da sua capacidade de se mover para o organismo humano e sua capacidade de transmissão de um a outro indivíduo podemos rapidamente ver instalada uma Pandemia. Este é um coronavírus com capacidade de transmissão rápida. Foi prevista esta epidemia. Mas os governos não tomaram providências.

O pesquisador dos EUA, Rob Wallace, em tese de seu livro “Grandes Fazendas produzem Grandes Gripes, (Big Farms Make Big Flu), aponta que é o modelo econômico mundial e a degradação ambiental que faz a conexão com a Pandemia de coronavírus, que já matou mais de 100 Mil pessoas no mundo e infectou mais de 2 Milhões de pessoas, sendo que estes dados refletem apenas uma parte do número total de infecções devido às políticas díspares dos países para diagnosticar os casos. Alguns países proferem testes apenas com as pessoas hospitalizadas.

Rob Wallace em sua tese desbanca o pensamento ainda vigente de que a origem do coronavírus atual, o Covid1,9 estaria relacionado ao mercado aberto de animais em Wuhan na China, destinados à alimentação humana. Para ele, o coronavírus tem relação com o modelo de agropecuária industrializada que praticamente se impôs no mundo, e no Brasil também.

Assim Rob Wallace enfatiza: “o fato de focar as ações contra a covid-19 na implementação das medidas de emergência que não combatem as causas estruturais da pandemia, constitui um erro de consequências dramáticas. O maior perigo que enfrentamos é o de considerar o novo coronavírus um fenômeno isolado”.

As grandes corporações estão preocupadas com o benefício econômico e aceitam desta forma o risco da geração e disseminação de novos vírus, jogando para a sociedade os ônus epidemiológicos às pessoas e aos ecossistemas locais. E de certa forma ao sistema econômico mundial, como estamos vendo agora.

Frédéric Neyrat é um filósofo francês que ensina no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Wisconsin-Madison, diz que há 65 milhões de anos, um asteroide extinguiu os dinossauros. Diz ele que: “Hoje estamos numa situação diferente, o asteróide somos nós próprios, enquanto força antropocénica, enquanto força de construção e destruição do mundo. Destruindo o planeta, alterando o clima, tornando o solo infértil, produzindo a diminuição da biodiversidade, somos a causa da destruição do ser vivo”.

Neyrat se refere aceleração da extinção das espécies e, mais fundamentalmente, por uma diminuição significativa da percentagem de população animal, por exemplo, os mamíferos que sofreram uma diminuição de 30% nos últimos anos. E esta extinção não atingirá apenas os não humanos, não terá apenas como vítimas os mamíferos. Traduzir-se-á, no final, por um ataque à espécie humana enquanto tal. É um sinal de catástrofe extrema.

A pandemia que nos assombra agora desenha sua condição de catástrofe.

No final das contas o agente patogênico está sendo virtuoso. Porque ele está há anos mostrando que estamos com a matriz errada para a nossa própria manutenção enquanto espécie. Porque são nossas ações e não as das patogenias delas derivadas, a nossa ameaça.

O Sociólogo Angel Luis Lara, deixa patente:

(…) a pandemia, ou o vírus, ”resgata de nossa des-memória o conceito do gênero humano e a noção de bem comum. Talvez os fios éticos mais valiosos com os quais começaremos a tecer um outro modo de vida e outra sensibilidade”. (…)

José Roberto Abramo Coronavirus - Coronavirus – Uma dentre muitas ameaças globais?

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